Foto pessoal ou comercial?

Era ainda muito cedo. Mauro abriu a janela e viu um céu límpido e o vermelhão da alvorada no horizonte. “É hoje” – pensou. ‒ “Depois de tantos dias de chuva, finalmente uma manhã propícia para a fotografia no parque.” Engoliu rapidamante o café da manhã e foi para a rua. Quando chegou ao Parque Ibirapuera, havia somente alguns caminhantes e ciclistas e as portas dos museus estavam fechadas. Mas o sol ainda estava baixo e as longas sombras das árvores nos gramados e nas vias internas criavam desenhos inspiradores. Mauro foi se embrenhando no parque, até que algo chamou a sua atenção. Tirou a câmera da mochila, com a objetiva nova em folha, comprada não sem pouco sacrifício. Encostou-se ao tronco de uma árvore para se firmar e apontou para algo à distância.

Parque Ibirapuera: “Liberdade”. Foto: @projetoibira

Nesse exato momento, sem que tivesse tido tempo de tirar a foto, ouviu uma voz:

     ‒ Moço, não é permitido tirar fotografia comercial no parque.

Eram dois agentes da segurança do parque. Mauro abaixou a câmera estupefato.

     ‒ Eu não sou fotógrafo profissional – disse. ‒ Sou fotógrafo amador, tiro fotos para mim mesmo…

     ‒ Mas essa câmera é profissional ‒ repondeu um dos guardas.

     ‒ E daí? Eu tiro fotografia com a câmera que eu bem entender – insistiu Mauro.

     ‒ Não senhor. Se não guardar esse aparelho, teremos que tomar uma providência.

Desorientado e com raiva, Mauro guardou a câmera. Era mesmo uma manhã linda de domingo. Quando passou pela Marquise, viu que, mesmo assim cedo, dois adolescentes estavam se embriagando sem que ninguém fizesse nada e, ao entrar no banheiro, viu outros dois pichando o espelho e chutando a lata de lixo.

Mauro saiu do parque e foi buscar inspiração para as suas fotografias em outro lugar. Nunca saberemos o que estava prestes a fotografar quando foi abordado pela vigilância. Uma ave? A forma peculiar de algum galho em contraluz? Alguém praticando yoga com uma longa sombra no gramado?

Não, Mauro não é uma pessoa real. É um personagem fictício, no qual, porém, muitas pessoas reais se reconhecerão. Recebemos regularmente assinalações de usuários que foram impedidos de tirar suas fotografias pessoais no parque porque têm um aparelho fotográfico “profissional” – ou seja, grande, com uma teleobjetiva imponente. Mas desde quando é o aparelho fotográfico que determina se uma pessoa é um fotógrafo profissional e se vai ou não fazer um uso comercial da sua imagem? E, mesmo que a pessoa fosse um fotógrafo profissional, por que não teria o direito de tirar fotografias para o seu simples prazer pessoal, sem o intento de “comercializá-la”?

Manhã no Parque Ibirapuera. Foto: @ciroamado.

No regulamento do Parque Ibirapura está estabelecido, justamente, que não se pode tirar fotografias para uso profissional/ comercial no parque sem prévia autorização. Em lugar algum do regulamento está escrito qual o tipo de câmera os usuários deveriam usar para tirar as suas fotos pessoais. E seria um absurdo se estivesse.

Estamos diante de uma aplicação míope, provinciana e infantil do regulamento. Mesmo porque, se é o tamanho da câmera que importa, o que impede um profissional de usar com fins comerciais uma fotografia tirada com uma máquina fotográfica pequena? Existem centenas de modelos de câmeras pequenas de ótima qualidade. Além disso, essa atitude se parece mais com o diretor de escola que decide punir todos os alunos por causa do mau comportamento de somente um deles. O diretor não quer ter trabalho. Assim, todos pagam pela infração de um só e pelo simplismo do diretor… Coisa de século XIX!

A GCM e os vigilantes da Atento, terceirizada que faz a segurança e orientação no parque, deveriam parar de importunar os fotógrafos amadores e se concentrar no que é realmente importante: roubo de bicicletas e no estacionamento de carros, vandalismo, menores com bebidas alcoólicas e venda de bebidas alcoólicas para menores dentro do parque, bicicletas fora da ciclofaixa provocando acidentes… a lista é longa.

No que tange à fotografia, o parque deveria se limitar a reprimir os casos inequivocáveis de campanha fotográfica e filmagem comercial não autorizadas – que, normalmente, são bem claros, pois reúnem grupos de pessoas com grande aparelhagem; ou mover ação legal, a posteriori, contra quem utilizou indevidamente imagens do parque em comerciais, filmes, propaganda impressa e as comerciliza de qualquer outra forma.  Vivemos numa grande metrópole, mas o provincianismo parece estar mesmo enraizado profundamente na atitude de alguns…

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