O poder da liberdade – Emanuel (capítulo de uma história muito maior)

Nem hospital, nem Casa de Apoio. Aquele era dia de PARQUEEEEE. Era perfeito. Era domingo, o primeiro dia de sol depois de uma semana fria, e Manu estava em seu período de descanso da quimio. Era dia de passear. Respirar ar livre e ser livre também. Dia de navegar em outros mares. Dia de conhecer o mundo e ver gente. Muita gente por sinal.

Descobri que era a primeira vez dos meus heróis ali no Parque do Ibirapuera e me senti imensamente feliz em poder dividir aquele momento com eles. Manu não sabia para onde olhar, nem para onde ir. Pela primeira vez, esticou os bracinhos pra mim, pedindo colo.

Manu e Lela Albuquerque no Parque Ibirapuera. Foto: Rosania Moreira Lima.

Andamos um pouquinho e achamos um lugarzinho na grama onde dava para ancorarmos um pouco. Esticamos a canga do Brasil, claro, porque essa é a nossa pátria e nossa bandeira, pegamos nosso bolinho de cenoura, nosso suco e nosso livro. As letras nos levaram para outro mundo, o suco tirou nossa sede e o bolo encheu nossas barrigas e sujou nossos dedos.

A caixa do suco virou bola e Manu ganhou um imenso campo de futebol só para ele. Os outros???? Bobagem!!! Centroavantes do outro time. Foram facilmente driblados e Manu pôde fazer muuuuiiiiitos gols. Era encantador ver Manu tão solto, sem nada que o limitasse, sem preocupações, seguro, feliz!!!

Manu jogando bola com uma caixinha de suco no Parque Ibirapuera. Foto: Lela Albuquerque.

Manu tem cinco aninhos. É bem ativo e, como toda criança de sua idade, tem aquele carrapatinho no corpo que os fazem fazer 253 coisas ao mesmo tempo e, naquele dia, não foi diferente. Mas, também naquele dia, algo fez parar o Manu. Algo fez com que ele parasse de correr e fez com que o mundo todo agisse em câmera lenta. Algo fez com que ele ocupasse uma das mãos segurando a minha, enquanto a outra apontava seu objeto de admiração.

     – Olha, Capitã Lela!!!

Eram duas ambulâncias brilhantes, branquinhas, paradas uma ao lado da outra, estavam ali de portas abertas, por segurança do público visitante, e para total deslumbramento de Manu.

Foi a mãezinha dele quem explicou:

     – Ele é louco por ambulância. Não pode ver que fica enlouquecido.

Aaaaahhhhhhhh!!!! Ok. Ficou fácil adivinhar o próximo passo.

     – Vem comigo, Manu.

Escolhi os enfermeiros que estavam no vão entre as duas ambulâncias.

     – Olá, boa tarde, meu amiguinho aqui é louco por ambulâncias. Será que ele pode conhecer uma de perto?

A visita de Manu a uma das ambulâncias em serviço no Parque Ibirapuera. Foto: Lela Albuquerque.

Eles se entreolharam e resolveram liberar a entrada de Manu. Pela cara deles, entendi que tratava-se de uma exceção. Me senti agradecida. E lá foi Manu fazer o que ele sabe de melhor: misturar sonho e realidade. Sentou na maca, na cadeira de apoio, dobrou a coluna mostrando cuidado e atenção ao examinar, com carinho, sem tocar, todos os equipamentos ali disponíveis e, como se estivesse trabalhando compenetrado, apontou para a frente, para o banco do motorista, e declarou:

     – Ali, o motorista. – E mudando o dedo para o banco do lado, continuou: – E, ali, o Doutor Emanuel.

Uau!!! Aquilo me pegou desprevenida. Foi preciso respirar fundo e segurar minha emoção; e, depois de uns dois segundinhos, consegui dizer:

   – Ah, siiimmmm!!! Se Doutor Emmanuel está no pedaço, então está tudo certo, não é mesmo?

Ele me devolveu um sorriu feliz. A enfermeira, que estava bem pertinho de mim, perguntou curiosa:

     – Doutor Emanuel é o médico dele?

Nunca senti tanto orgulho ao esclarecer:

     – Não. ELE é o Doutor Emanuel.

E, como lindos sonhos são predileção nacional, desta vez, foi ela quem teve que segurar as lágrimas.

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