Mais mitologia no Ibirapuera – e um pouco de Art-Déco

No Ibirapuera, a escultura A caçadora nos abre uma porta para a história, a mitologia e a arte

Já tivemos a oportunidade de aprofundar um pouco o conhecimento do grupo escultórico Laocoonte do Parque Ibirapuera. Chegou a hora de falarmos sobre A caçadora, de Lélio Coluccini, que se encontra ao ar livre, entre o Jardim de Esculturas do MAM e o Pavilhão da Bienal. Trata-se de uma figura feminina consideravelmente estilizada, que descansa sobre o dorso de um animal – um cervo –, também delineado nas suas formas geométricas essenciais.

Lélio Coluccini, A caçadora (1944), escultura em granito, Parque Ibirapuera. (Fonte: Panoramio, foto de Cesar Grossmann)

Realizada em 1944 a pedido do então prefeito de São Paulo, Francisco Prestes Maia, a escultura foi colocada, originariamente, no Largo Ana Rosa, ao longo da Rua Vergueiro, no bairro de Vila Mariana. Quando, no anos de 1970, o metrô de São Paulo foi construído – e, com ele, a Estação Ana Rosa, que transformou completamente a fisionomia do antigo largo – a escultura foi transferida para o Parque Ibirapuera.

Largo Dona Ana Rosa com a escultura A caçadora, em uma fotografia de 1953 (fonte: http://hagopgaragem.com/index.html)

A escultura em granito, que, sem o pedestal, mede 1,50 m de altura, por 2,50 m de comprimento e 0.60 m de largura, se refere à deusa grega Artêmis (Diana para os latinos), irmã gêmea de Apolo. Na epopéia Ilíada, Homero a descreve como “Artêmis do mundo silvestre, senhora dos animais”. Assim como Atena, Artêmis tinha decidido permanecer virgem, o que lhe daria juventude eterna. Era, porém, uma deusa vingativa e, como nos conta Ovídio no seu livro Metamorfoses, era capaz de atos extremamente cruéis. Um deles ocorreu em detrimento do caçador e herói Acteão, o qual, involuntariamente, a surpreendeu nuda enquanto se banhava em uma fonte em companhia das suas ninfas. Furiosa, Artêmis, jogando água no rosto do infeliz, provocou a sua transformação em um cervo. Assim, os cães de Acteão não o reconhecem mais e o atacam e provocam a sua morte.

Como escultura de uma deusa do mundo silvestre, o parque é o lugar ideal para hospedá-la, ainda que se encontre entre dois edifícios e não em meio a um bosque. Podemos dizer que a escultura de Lélio Coluccini abraça o estilo “art-déco”, que ainda estava em voga nos anos de 1940 não só em São Paulo, mas ao redor do mundo também.

Lembremos que a “art-déco”, palavra derivada do francês “art décoratif”, não se limita à escultura e à pintura, mas também deu origem a grandes realizações arquitetônicas. Dois exemplos internacionais famosos de arquitetura “déco” são os edifícios Chrysler (concluído em 1930) e Empire State (de 1932), ambos em Nova York. Em São Paulo, três exemplos notáveis de arquitetura “déco” são os edifícios do Instituto Biológico, no entorno do Parque Ibirapuera, cuja construção teve início em 1928; do antigo Banco de São Paulo, concluído em 1938; e do Banespa, terminado em 1947, quando o uso do estilo “déco” começa a declinar.

Da esquerda para a direita: Chrysler Building, Empire State Building, Edifício do Instituto Biológico, Edifío Banco de São Paulo e Edifício Altino Arantes (Banespa).

Mas, para voltar ao tema do estilo “déco” em escultura, o Cristo Redentor do Rio de Janeiro, construído entre 1922 e 1931, é o maior monumento do mundo – e entre os mais famosos – realizado nesse estilo. O Monumento às Bandeiras do Ibirapuera, criado por Victor Brecheret e concluído somente em 1953, é outro grande exemplo do estilo “déco” no Brasil. 

Cristo Redentor (1922-1931), concebida por Paul Landowski e Gheorghe Leonida (rosto) e realizada pelos engenheiros Heitor da Silva Costa e Albert Caquot; Monumento às bandeiras (1936-1953), de Victor Brecheret, construído pela Oficina de Cantaria A. Incerpi e Cia..

No que consiste o estilo “déco”? Basicamente, na ênfase dada às formas geométricas. Os elementos esféricos, cilíndricos, cônicos, retangulares, poligonais tomam conta das e dão forma às figuras e aos edifícios.

Exemplos do estilo “déco”: à esquerda, “Wisdom” (Sabedoria), baixo relevo policromado acima da porta de entrada do edifício 30 Rockefeller Plaza, Nova York, de Lee Lawrie; à direita, “Jovem com luvas” (1930), óleo sobre tela, de Tamara de Lempicka, Musée National d’Art Moderne, Paris.

A caçadora, por exemplo, apresenta uma cabeça decididamente esférica, um pescoço cilíndrico, membros com uma acentuada forma geométrica e que tendem à forma cônica nas extremidades. O cervo sobre o qual a deusa repousa também é submetido à estilização geométrica e o conjunto figurativo, visto frontalmente pelos lados mais longos, se encerra quase perfeitamente em um triângulo. Tal disposição cria muito equilíbrio, simetria e harmonia. Apesar de todo esse cálculo geométrico, a suavidade dos contornos ondulantes e da superfície do grupo nos oferece uma imagem longe de ser rígida. Essa é uma das grandes qualidades dessa escultura de Coluccini.

Lélio Coluccini, A caçadora (1944), Parque Ibirapuera. Fotos: Roberto Carvalho de Magalhães.

Há outros trabalhos de Lélio Coluccini em São Paulo. As esculturas “Último acorde”, da Praça Morungaba, Pinheiros, e “Leda”, da Pinacoteca do Estado de São Paulo, são dois exemplos. Para saber mais sobre o escultor ítalo-brasileiro, veja aqui: http://www.catalogodasartes.com.br/Detalhar_Biografia_Artista.asp?idArtistaBiografia=7454

Não deixe de ler também: http://parqueibirapuera.org/ramificacoes-da-mitologia-grega-e-do-renascimento-no-ibirapuera/

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