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Não há boa concessão de parques sem um bom Plano Diretor

por José Antonio Hoyuela Jayo

Reproduzimos um esboço de abaixo-assinado destinado ao IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) e ao ICOMOS (International Council of Monuments and Sites), de autoria de Antonio Hoyuela Rayo, Diretor Geral da Terysos do Brasil. No momento delicado do processo de concessão dos parques municipais à gestão privada em andamento em São Paulo, do qual o Parque Ibirapuera representa somente a primeira etapa, revela-se mais do que nunca fundamental a existência de um plano diretor, que estabeleça com clareza os limites, obrigações e direitos do gestor e que reafirme sem margem alguma de dúvida o interesse público dos parques.

Encontro para mutirão de limpeza realizado pelo Parque Ibirapuera Conservação em janeiro de 2017. Foto: Rodrigo Ferrara.

Os parques são espaços públicos e de convivência. Não são só áreas verdes essenciais na obtenção de equilíbrio entre o processo de urbanização contemporâneo e a preservação do meio ambiente, mas também têm importância especial como acesso dos cidadãos à cidadania. Hoje, podem ser definidos como “espaços públicos com dimensões significativas e predominância de elementos ambientais e naturais, principalmente cobertura vegetal, destinados a recreação” (Scalise, 2002). Possuem reservas de recursos naturais e diversos tipos de vegetação, introduzidas e nativas, originais ou de florestas secundárias, onde animais encontram alimento e abrigo, e incorporam valores culturais e perceptivos fundamentais para a sustentabilidade e para o controle e minimização dos impactos derivados das mudanças climáticas e do uso e dos modelos insustentáveis que caracterizam hoje nossas cidades. Como infraestruturas ao serviço do meio ambiente, de interesse natural e ecológico, os parques são suporte de migrações, florações, habitats e nichos ecológicos, interações ecossistêmicas e minimização de riscos e perigos que também ultrapassam os seus limites. Esses serviços ecológicos contribuem para amortecer grandes impactos como perda na qualidade de vida e da biodiversidade; a diminuição da qualidade do ar, das águas, dos solos e dos habitats; as enchentes, deslizamentos e perda de biodiversidade; o estresse humano, animal e ambiental; e a perda de eficiência do sistema urbano e o alto consumo de materiais, tempo e energia.

Não podemos perder de vista o passado como base fundamental do nosso futuro (O’Donnell, 2015). A conexão com o lugar, com a memória da cidade, só pode trazer o respeito pela cidade e pelo papel do espaço público, de convivência, além melhora da qualidade de vida coletiva e indivídual. O Parque Ibirapuera nasceu no encontro das águas de três rios e conserva valores patrimoniais de caráter material, imaterial e perceptivo, que não podem ser esquecidos, nem colocados em risco. Nossos parques ser um refúgio apaziguador, adaptado aos nossos tempos e em contraste com o tempo ditado pelos automóveis e pelo relógio. Por isso, a luta pelo espaço público, a procura da memória e a integração da história nos processos urbanos tornaram-se uma necessidade urgente no paradigma da paisagem e no conceito de planejamento sustentável.

As cidades globais perderam a consciência da importância dos ecossistemas naturais para a produção de alimentos, regulação da atmosfera e do clima, purificação da água, fornecimento de matérias-primas, proteção contra pragas, doenças e condições meteorológicas extremas; e, enfim, para o estímulo e a realização cultural, espiritual e intelectual, que incide positivamente na nossa saúde (Hoyuela Jayo J. A., Infraestrutura Verde: Novo Paradigma para O Século XXI?, 2016). Hoje, a gravidade dos impactos ambientais se faz cada vez mais evidente e aumenta rapidamente por efeito das mudanças climáticas (Herzog, 2010). Qualquer proposta de gestão desses espaços, como as PPPs em andamento, deve levar em consideração não só os elementos componentes do parque, mas incluir seu valor ambiental, cultural, sócio-econômico e perceptivos, num enfoque holístico do conceito da paisagem.

Parque Urbano e Espaço Natural de alto interesse ambiental, o Parque Ibirapuera é uma das peças mais complexas e valiosas por seus valores históricos, artísticos e culturais no conjunto urbano da cidade de São Paulo. Sua dimensão jurídica e física (âmbito, propriedade e regulamento de uso do parque), sua dimensão cultural (tombamento do conjunto e valorização dos elementos mais relevantes), sua dimensão ambiental (suporte da fauna, da avifauna e da vegetação e das arvores de grande valor no entorno), sua dimensão ecológica (como ponte entre diversas áreas verdes da cidade e suporte de processos chave para a conservação dos ecossistemas) e sua dimensão social (símbolo, memória histórica, espaço para integrar a diversidade social, para a educação e para o lazer) exigem respostas à altura do desafio que ele significa.

Para compreender e ordenar essa dimensão holística do Ibirapuera, devemos trabalhar com a paisagem, seja como foco das análises, seja como instrumento de organização, sempre dentro de um processo participativo e apoiados nas tecnologias da informação e no seu caráter dinâmico e ecológico (Andrade, 2009; Hoyuela Jayo, 2014 c). Na procura dos direitos fundamentais, a cidade e o planejamento da paisagem têm que ser protagonistas, por isso que os abaixo assinantes queremos:

  1. que a gestão dos parques seja conduzida sob o paradigma da participação e da apropriação cidadã, para garantir o uso de seus serviços ecológicos, o reconhecimento de seu papel como motor da memória das cidades e dos territórios e lugar de encontro e de efervescência social onde poder debater a cidade do futuro;
  2. que os planos diretores se convertam num modelo de planejamento do sistema do verde, integrando suas dimensões ambientais, culturais e perceptivas através do pensamento ecológico e do paradigma do desenvolvimento sustentável.
  3. que os parques pensem o verde e a arborização sob a perspectiva dos serviços ecológicos que eles podem prestar para sociedade no controle da qualidade do ar, na minimização dos riscos derivados das mudanças climáticas, na saúde, no controle térmico e da humidade, no fomento da biodiversidade e no bem-estar e na saúde das pessoas e da sociedade no seu conjunto.
  4. que os planos diretores não renunciem à sua ambição, planejando a utopia inalcançável, mas com os pés no chão; construindo um projeto à medida dos desafios e das capacidades de cada momento; pensando a longo prazo e com ambição, mas com concreção, programação e compromissos claros e certos, de todos os atores confluentes, também a curto e médio prazo.

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