No ano passado, o livro A árvore, de Roberto Carvalho de Magalhães, recebeu, entre as obras em língua portuguesa, o selo do Clube de Leitura da ONU na categoria Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Em função dessa nomeação, o autor participou, em setembro do ano passado, de uma conversa promovida pelo SESI-SP, no âmbito da Semana do Livro e da Biblioteca, transmitida ao vivo nas mídias sociais.
Com a autorização do autor, transcrevemos e editamos uma das passagens da sua fala, que julgamos de importância fundamental para se entender a necessidade da preservação das árvores e do verde em geral, quer se trate de um parque urbano, da zona rural ou de florestas. Em resposta ao pedido para introduzir o próprio livro e contar sobre a motivação que levou à sua criação, eis o que ele diz:
Não esperava que o livro chegasse tão longe, no clube de leitura da ONU. Foi escrito com muita paixão, apesar de ser um conto bastante breve, ilustrado por mim. Eu desenho árvores há décadas e essa atração por elas começou quase como um fascínio pelas suas formas. Aos poucos, isso foi se tornando uma especie de conhecimento. As árvores foram evoluindo em mim e transformando-se em seres, o que elas realmente são: seres vivos, maravilhosos; mas que são estudados limitadamente, pois as árvores são vistas, normalmente, na nossa civilização, como algo simplesmente utilitário. Cortamos as árvores para produzir lenha, casas, construir coisas, etc.. Pensa-se na árvore como algo que pode-se extrair, podemos fazer o que quiser com ela, tratando-a como um mero objeto, esquecendo-se do lado da árvore como um ser. Isso me levou a pensar que herdamos uma ideia da natureza em geral como algo separado da nossa vida humana, ao qual atingimos, do qual pegamos, mas que não faz parte da nossa vida humana. Existe essa oposição. Culturalmente, herdamos essa oposição entre natureza e humanidade. Então, a natureza é vista nos filmes do passado, por exemplo, como um mundo hostil, ameaçador. Esse sentimento ainda é muito forte na vida das pessoas, especialmente nas cidades, onde há pouco contato com a natureza, com o verde. Essa foi sempre uma preocupação minha: o que fazer, como convencer as pessoas, pedir às pessoas que observem as árvores com um olhar diferente? Não como algo que está incomodando porque você estaciona o carro e as suas frutinhas caem sobre ele e o sujam; ou porque ela esparrama folhas na calçada ou no quintal de casa… Como fazer isso? Por exemplo, as árvores que estão perto da fiação elétrica e consistem num risco para o fornecimento de energia elétrica, não só nas cidades, mas também na zona rural – que é o tema do conto. Cortam-se as árvores porque elas estão no caminho. Não deveríamos pensar o contrário? É a fiação que está no caminho da árvore. Precisamos inverter um pouquinho essa ideia. O homem se coloca ao centro e tudo aquilo que não lhe é imediatamente conveniente, lucrativo, é descartado. Então, a natureza é vista com essa lógica – ou falta de lógica –, com danos incomensuráveis no longo prazo. Assim, eu desenhava árvores, sempre desenhei, de várias formas, e a ideia do livro nem surgiu como história escrita, surgiu primeiro como desenho. Foi uma sucessão de desenhos da vida aflitiva dessa árvore – que pode, de um momento a outro, por uma questão de conveniência momentânea, ser cortada, destruída – que deu origem ao roteiro do livro. Havia uma série de desenhos, que nasceram primeiro como história visual. Dito isso, a minha preocupação e uma das preocupações dos escritores é a de comover. Não de persuadir com lógica. A história precisa trazer a comoção, o envolvimento emotivo, para que o leitor ame o personagem. Neste caso, o personagem é uma árvore. Então, a árvore é colocada ao centro. Não é mais o homem. O homem desaparece. Mas é a árvore – ou a falta dela – que vai deixar as consequências duradouras. Existem autores que colocam a natureza no centro, mas são casos esporádicos. Os livros que falam sobre meio ambiente, normalmente, são técnicos. Colocam no centro a questão dos serviços socioambientais do verde ou das árvores, de uma forma prática e técnica. Mas não falam do ser, desse ser maravilhoso, que por ser o que é, independentemente da utilidade que tem para nós, tem o direito à existência e à proteção. Essa era uma das minhas preocupações, quando escrevi esse livro, numa forma quase de apólogo. Eu tentei evitar o máximo possível a moral final. É a história que tem que persuadir o leitor e não as conclusões morais. Isso é o que está subjacente no nascimento desse livro. Fiquei, logicamente, muito feliz com essa indicação da ONU, porque é um pouquinho isso mesmo que o livro queria e parece que funciomou: colocar a árvore como personagem, com uma grande força, como um ser maravilhoso, que precisa ser respeitado enquanto tal. A árvore, logicamente, como metáfora da natureza em geral.”
O vídeo integral da conversa, que contou com a participação de outros dois autores – Rita Carelli, atriz, ilustradora e escritora, e Rogério Correa, jornalista e locutor esportivo, cujos livros também receberam o selo do Clube de Leitura da ONU, nas categorias de inclusão e diversidade – e da bibliotecária Adriana Ferrari, vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (FEBAB), pode ser acessado aqui: https://www.youtube.com/watch?v=o9BPqRLHPJ8&t=1930s
Palestrantes:- Roberto Magalhães (EUA) | Escreveu para o jornal italiano La Nazione, autor de ensaios e livros traduzidos em várias línguas, como “O grande l… www.youtube.com |