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O Elizabeth Park Conservancy e a Cidade de Hartford (Connecticut, EUA): uma parceria que deu certo.

por Roberto Carvalho de Magalhães
Eis um exemplo feliz da atuação de uma organização comunitária de voluntários – bem recebida pela administração pública – na recuperação, melhoria e manutenção de um parque. O exemplo vem dos Estados Unidos e deveria ser examinado com carinho por todos os responsáveis por parques públicos urbanos no Brasil.
Rosas do Elizabeth Park West Hartford, Ct. Foto Roberto Carvalho de Magalhães.

Rosas do Elizabeth Park, West Hartford, CT. Foto Roberto Carvalho de Magalhães.

Muitas vezes, os parques públicos urbanos, que deveriam ser oásis verdes e refúgios onde usuários, natureza e histόria podem conviver agradavelmente e longe do estresse das ruas, acabam sendo vítimas dos mesmos problemas que encontramos em uma rua qualquer: aridez, sujeira, poluição, barulho, aglomeração, falta de segurança e conflitos. Isso acontece quando a sua administração não consegue dar respostas adequadas para os problemas prementes. Mas a administração de um grande parque urbano, com todos os problemas que o afligem – do vandalismo às constantes ameaças de destruição do verde por eventos naturais ou provocada pelos prόprios usuários, da falta de recursos à necessidade constante de se renovar os equipamentos –, pode resolver tudo sozinha? Este artigo traz um exemplo de parceria feliz entre a administração pública e uma organização comunitária para tirar um parque da situação de ruína em que tinha caído.

Elizabeth Park, o parque príncipe do sistema de parques públicos de Hartford, capital do estado de Connecticut (EUA), foi aberto ao público em 1897. Ocupa cerca de meio quilômetro quadrado, dos quais 80% se encontram em West Hartford e os restantes 20% em Hartford. Ele está no Registro Nacional de Lugares Histόricos, o que equivale ao nosso tombamento pelo Iphan.

Um dos seus motivos de orgulho é ter dado vida ao primeiro jardim público de rosas dos Estados Unidos. Projetado por Theodore Wirth – um suíço que, antes de emigrar para os EUA, tinha trabalhado como florista e paisagista em Zurique, Londres e Paris – e inaugurado em 1904, o jardim conta hoje com cerca de 10.000 m², 475 canteiros e mais de 15.000 arbustos e arcos de rosas. Com o passar do tempo, às rosas somaram-se um jardim de plantas perenes, um jardim rochoso e de sombra, um jardim anual de tulipas e um pequeno jardim dedicado às rosas mais antigas – com algumas que remontam a antes de 1867!

Vista parcial do jardim das rosas do Elizabeth Park (Hartford, Ct). Foto: Roberto Carvalho de Magalhães.

Vista parcial do Jardim das Rosas do Elizabeth Park (Hartford, CT). Foto: Roberto Carvalho de Magalhães.

Choupana ao centro do Jardim das Rosas do Elizabeth Park. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães.

Choupana ao centro do Jardim das Rosas do Elizabeth Park. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães.

O parque também conta com um jardim hortícola, mantido por diferentes sociedades hortobotânicas, entre as quais a Unidade de Connecticut da Sociedade Americana de Ervas, que organiza e mantém um jardim tradicional de ervas. Além disso, o parque tem amplas áreas de lazer gramadas e arborizadas – seja com espécies nativas ou importadas –, um lago e pequenos jardins aqui e ali, como o canteiro das hostas, uma planta ornamental proveniente do Extremo Oriente muito resistente, que se adapta bem à sombra.

Jardim de plantas perenes, Elizabeth Park. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães.

Jardim de plantas perenes, Elizabeth Park. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães.

Em meados dos anos de 1970, porém, o esplêndido jardim de rosas do Elizabeth Park encontrava-se em total ruína e correu o risco de desaparecer, pois a Cidade de Hartford não tinha o dinheiro necessário para recuperá-lo. Foi então que, em 1977, um pequeno grupo de vizinhos do parque – de West Hartford e Hartford – criou os Amigos do Parque Elizabeth, com o objetivo de salvar o histόrico jardim de rosas da destruição quase certa. Em 2012, depois de 35 anos contribuindo com a preservação, manutenção, restauração e proteção, não sό do jardim de rosas, mas de todas as outras áreas e edifícios, a organização mudou o seu nome para Elizabeth Park Conservancy.

O Elizabeth Park Conservancy, uma organização civil sem fins de lucro, recruta e orienta centenas de voluntários para trabalhar nos jardins e áreas verdes do parque, além de contratar especialistas, empreiteiros e jardineiros. Trata-se se uma parceria entre o poder público e um grupo comunitário baseado nas doações e no voluntariado, para garantir a manutenção dos jardins específicos e das áreas verdes em geral, a restauração dos edifícios e equipamentos e, enfim, a organização de eventos para o público.

No Elizabeth Park, árvores e plantas nativas, como o carvalho (no alto, à esquerda) convivem com as espécies importadas, como a Picea abies pendula, proveniente da Noruega, o taxus cuspidata, do Extremo Oriente, e a hosta, também oriunda do noroeste da Ásia. Fotos: Roberto Carvalho de Magalhães.

No Elizabeth Park, árvores e plantas nativas, como o carvalho (no alto, à esquerda) convivem com as espécies importadas, como a Picea abies pendula, proveniente da Noruega, o taxus cuspidata, do Extremo Oriente, e a hosta, também oriunda do noroeste da Ásia. Fotos: Roberto Carvalho de Magalhães.

É, sem dúvida, um exemplo bem sucedido de colaboração entre a prefeitura e um grupo comunitário. Nessa parceria, a Cidade de Hartford estabelece as fronteiras dentro das quais a Conservancy atua no parque, o que prevê, neste caso, como já mencionado anteriormente, o cuidado dos jardins, a utilização de voluntários, especialistas e empreiteiras, assim como a organização de atividades para os usuários e a gestão do Pond House Café, o restaurante interno do Elizabeth Park.

No dia em que tirei as fotografias presentes neste artigo, um grupo de funcionários “emprestados” por Voya, uma companhia de seguros e serviços financeiros, estava trabalhando na manutenção de uma série de canteiros do jardim de rosas – orientados, naturalmente, por especialistas. Essa é uma forma de voluntariado empresarial: a empresa cede um grupo de funcionários interessados em voluntariar. Assim, os funcionários realizam uma ação de utilidade pública durante o expediente de trabalho, sem prejuízo para o seu salário e para o seu tempo livre. Essa é também uma forma de levar as pessoas a entenderem o quanto complexa é a manutenção de um parque e a apreciarem o trabalho de horticultura. Desperta-se, assim, o sentimento de respeito pelos parques e pelo meio ambiente. São, portanto, ações educativas e de cuidado concreto do patrimônio da comunidade, do bem público.

Funcionários da companhia de seguros Voya trabalhando voluntariamente num setor do Jardim das Rosas. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães, 24/6/2016.

Funcionários da companhia de seguros Voya trabalhando voluntariamente num setor do Jardim das Rosas. Fotos: Roberto Carvalho de Magalhães, 24/6/2016.

  • Para ler mais sobre o Elizabeth Park e o Elizabeth Park Conservancy, clique aqui.
  • Se quiser descobrir algumas árvores do Elizabeth Park, assista ao vídeo de um passeio guiado pelo especialista Edward A. Richardson (em inglês).

O poder público não consegue – e muitas vezes não tem a competência para – dar conta de tudo. Muitas vezes, recursos que deveriam ser utilizados na proteção, manutenção e incremento do verde, são desviados para resolver problemas prementes de segurança. Melhorias nos equipamentos são adiadas para se concentrar recursos na limpeza depois das invasões dos fins de semana. Negligencia-se a sinalização e a imposição do regulamento por falta de recursos, com o consequente escasso treinamento do pessoal. Além disso, os parques urbanos são alvo frequente de vandalismo – a começar do estacionamento de carros em áreas não autorizadas, às pichações e à destruição de sanitários e pias nos banheiros.

Não é fácil lidar com tudo isso. Os grandes parques urbanos que têm tido sucesso na solução de todos esses problemas são exatamente os que aceitaram – e mesmo procuraram – a parceria com organizações comunitárias. Assim fazendo, puderam se concentrar em alguns tόpicos cruciais, enquanto as organizações comunitárias, mediante acordos claros sobre as áreas de atuação e o papel de cada um, enfrentavam outros problemas.

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e a administração do Parque Ibirapuera deveriam estudar esses casos de parceria e fazer uma profunda reflexão sobre isso, se é que se preocupam realmente com o destino do maior e mais famoso parque de São Paulo.

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