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Mata Atlântica versus plantas exόticas: um grande equívoco

por Roberto Carvalho de Magalhães
Os louváveis projetos de se plantar árvores nativas da Mata Atlântica nos centros urbanos justifica a supressão de árvores exόticas outrora plantadas nos parques e ruas das cidades? Há quem pense que sim. Entretanto, isso é um grande equívoco. Veja por que no artigo abaixo.

Nos últimos anos, assistimos ao nascimento de vários grupos comunitários em São Paulo com o objetivo de restaurar e reintroduzir a vegetação da Mata Atlântica, seja na zona rural, seja nas cidades. Essas inicitaivas são realmente louváveis e, de certa forma, estão influenciando os όrgãos de preservação ambiental. Se, por um lado, όrgãos como o Ibama já tinham adotado medidas de presevação mediante o processo de licenciamento ambiental e necessidade de autorização para a supressão de vegetação nativa da Mata Atlântica, por outro, isso não incluía a obrigação de reflorestação com espécies nativas. Era, por assim dizer, uma medida de preservação “passiva”.

Hoje, para se tentar recuperar parte da Mata Atlântica perdida e recriar o seu bioma original no ambiente hostil das grandes cidades, esses grupos comunitários individuam locais por assim dizer esquecidos, adequados para o plantio de mini florestas – ou “florestas de bolso”, como são chamadas frequentemente. Doadores e voluntários atuam juntos para dar vida a pequenos oásis de árvores nativas, para o benefício do ar, do solo, da fauna – que vive em situações adversas nas cidades – e dos cidadãos em geral.

Floresta de Bolso plantada em mutirão há quatro meses, na Vila Olímpia. Foto: Ricardo Cardim.

Floresta de bolso plantada em mutirão há quatro meses, na Vila Olímpia. Foto: Ricardo Cardim.

Entre esses grupos, lembramos:

  1. Novas Árvores Por Aí,
  2. Anjos da Mata Atlântica,
  3. Florestas de Bolso
  4. e a atuação do biόlogo e ambientalista Ricardo Cardim.

Porém, esse que, agora, podemos chamar de um verdadeiro movimento está, involuntariamente, gerando um equívoco. A recente supressão de uma magnífica ficus elastica (falsa-seringueira) no Parque Ibirapuera – não conforme com os termos da lei e, aliás, com base em um laudo totalmente insuficiente – ocorreu sem que a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente fizesse objeção alguma, pois, aparentemente, tratando-se de um espécime importado, exόtico, não merecia nenhum cuidado, dispêndio de energia e dinheiro para a sua preservação.

Foto: A magnífica falsa-seringueira (ficus elastica), árvore originária da Índia e do nordeste asiático, recentemente – e ilegalmente – eliminada na Praça da Paz, Parque Ibirapuera. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães.

A magnífica falsa-seringueira (ficus elastica), árvore originária da Índia e do nordeste asiático, recentemente – e ilegalmente – eliminada na Praça da Paz, Parque Ibirapuera. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães.

Entre os comentários de tristeza e perplexidade que se seguiram a esse corte, insinuavam-se alguns com o seguinte teor: “Essa árvore não era nativa, por isso nem deveria estar lá! Temos é que plantar árvores nativas da Mata Atlântica e valorizar o que é nosso”. Pois bem: não sό essas maravilhosas árvores exόticas SÃO nossas, pois fazem parte da histόria da criação do parque e, em geral, de uma ideia de paisagismo urbano dos anos de 1950 e 1960 – foram adquiridas e assimiladas num processo histόrico –, mas outros cortes de árvores estrangeiras no parque não foram seguidos pelo plantio de árvores nativas da Mata Atlântica. Por exemplo, um número considerável de eucaliptos de origem australiana, que tinham sido usados por Manequinho Lopes no início do século XX para drenar a água do terreno alagadiço e insalubre em que o parque foi criado, foram cortados, alegando-se vários motivos. Esses eucaliptos foram substituídos por absolutamente nada.

  • Leia sobre a supressão da magnífica falsa-seringueira do Parque Ibirapuera aqui.

Está se insinuando a ideia contorcida de que “tudo bem cortar árvores não nativas em parques e ruas”, pois “temos que valorizar o que é nosso”. Sim, temos que valorizar a vegetação nativa e preservar e, possivelmente, recriar o bioma original da Mata Atlântica onde foi destruído e onde não há nada. Não é preciso destruir os esplêndidos exemplares de plantas exόticas que se encontram nos parques urbanos e nas ruas da cidade. O plantio de árvores nativas pode conviver perfeitamente com as éspecies importadas e adquiridas historicamente. Senão, o que deveríamos fazer? Cortar, por exemplo, todas as maravilhosas e gigantescas palmeiras imperiais do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, vindas das Antilhas, desconsiderando a sua histόria e beleza?

Palmeiras imperiais do Jardim Botânico do Rio de Janeiro fotografadas por Antônio Caetano da Costa Ribeiro, em 1914. Acervo Biblioteca Nacional.

Palmeiras imperiais do Jardim Botânico do Rio de Janeiro fotografadas por Antônio Caetano da Costa Ribeiro, em 1914. Acervo Biblioteca Nacional.

Sim, o uso de árvores exόticas em parques e ruas são o resultado da pouca atenção dada às plantas nativas para fins paisagísticos em determinada época da nossa histόria. Mas essas plantas exόticas não são em nada responsáveis pela destruição de grande parte da Mata Atlântica e de outros biomas nacionais. Essa destruição foi causada, entre outros, pela agropecuária e pelas plantações de cana de açúcar (originária do sul da Ásia), café (originário da Etiόpia e do Iêmen) e soja (originária do Extremo Oriente). O que vamos fazer? Acabar com todos os cafezais e replantar a mata?

Ver esses exemplares importados, usados para embelezar parques e ruas, como inimigos e achar que merecem ser suprimidos porque não são nativos é no mínimo infantil. Eles não têm nada a ver com a destruição da Mata Atlântica e passaram, também, a fazer parte da nossa histόria e do nosso imaginário.

A destruição da Mata Atlântica e a necessidade e vontade louvável de a recriar, ainda que limitadamente, estão sendo usadas, na cidade de São Paulo, como desculpa para a supressão de árvores exόticas que têm histόria e valor – e que, ainda por cima, não estão sendo substituídas por nada.

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