“O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos sό bem no sol.” (Mário de Andrade, Primeiro de Maio, em Contos Novos).
Contos Novos, do paulistano Mário de Andrade, são um dos meus livros de cabeceira. Releio de vez em quando. Leio de novo, releio ainda uma vez e sempre tenho vontade de voltar a ele. Nunca me canso. Sempre descubro alguma coisa, algo que não tinha reparado antes, apesar da leitura atenta, ou algo que vem à ribalta em função das preocupações ou interesses do momento.
Desta vez, carreguei-o comigo enquanto levava o carro para a revisão. Vê-se que não é somente livro de cabeceira não: é livro de bolsa, de mochila, pasta, debaixo do braço, viagem… Enfim, um amigão. E esse amigo me fez cair na gargalhada enquanto aguardava o carro, na saleta de espera da concessionária. No excelente conto “Primeiro de Maio”, cuja primeira versão é de 1934, leio o seguinte: “O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos sό bem no sol”. Então, o problema dos bancos e da “safadez” nos parques de São Paulo não é de hoje!
O Parque Ibirapuera ainda não existia naquela época. Mário de Andrade, um dos grandes pioneiros na criação dos parques infantis de São Paulo, morreu em 1945 e, infelizmente, não o conheceria. A passagem do conto se refere ao Jardim da Luz, o parque público mais antigo da cidade, que também teve os seus altos e baixos. Num ensolarado Dia do Trabalhador, o protagonista procura um banco à sombra, mas não encontra. Por quê? Porque a Prefeitura, para evitar atos sexuais e pegação no parque, havia tirado todos os bancos situados à sombra e lugares recônditos…
Pois bem: sexo e pegação no Parque da Luz, como é chamado atualmente, existem até hoje, oito décadas depois. Fazer com que o protagonista do conto sentasse ao sol num dia de calor intenso não resolveu nada. O parque é lindo, mas está situado numa área da cidade que viu dias melhores e que, lentamente, está se recuperando. Tirar os bancos da sombra não sό não resolveu o problema como também impediu que milhares de pessoas se sentassem à sombra em dias insuportavelmente ensolarados…
A administração do Parque Ibirapuera não aprendeu com a histόria – ou parece desconhecê-la completamente. Não sό é avara em distribuir bancos bem desenhados, duradouros e com encosto, mas iniciou uma campanha de destruição da vegetação mais rasteira e de iluminação tipo estádio de futebol do parque à noite, negando o necessário repouso à sua flora e fauna. Mesmo assim, o parque acorda constantemente com um rastro de apetrechos sexuais, camisinhas e o que for. A vegetação ciliar se foi, as aves não conseguem dormir, mas o sexo e a pegação continuam.
A esta altura, está mais do que claro que o problema se encontra em outro lugar. Não será que é uma má ideia deixar o parque aberto até tarde da noite ou mesmo a noite toda, como ocorre nos fins de semana, numa cidade como São Paulo, dilacerada pela criminalidade e pela falta de respeito pelos bens comuns? Não será que falta uma vigilância mais adequada e uma imposição efetiva das regras?
Os bancos e o verde não têm nada que ver com o comportamento promíscuo e fora de lugar de alguns cidadãos. Os bancos e o verde são a alma daquilo que chamamos de parque. Torná-los vítimas de pseudo medidas de segurança é um atentado contra a prόpria essência do parque e contra todos os cidadão que merecem o verde e os bancos nas sombras, na beira do lago, onde quer que seja.
- Leia aqui o conto “Primeiro de Maio” (p. 18 do livro) e, se quiser, os outros contos de Contos Novos.
- Sobre o pioneirismo de Mário de Andrade na criação dos parques infantis da cidade de São Paulo, veja este este artigo.