Passeando num sonho. O jardim de Monet em Giverny

Jardim de Monet em Giverny (Normandia, França). Lagoa dos nenúfares com a ponte japonesa menor e chorão ao fundo. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (maio 2019).

Francesco Arcangeli, critico de arte italiano, definia a pintura de Claude Monet como “uma realidade ao mesmo tempo real e extremamente sonhada”. O que queria dizer com isso? Que, mesmo tendo o mundo natural/real, assim chamado “objetivo”, como tema das suas telas, infundia-lhe uma vibração e uma intensidade típicas do sonho. Reconhecemos nelas a realidade, mas, ao mesmo tempo, elas são muito mais do que isso. Há uma identificação com a natureza que vai muito além da simples “reprodução”. Uma simbiose.

Claude Monet, Nenúfares, 1907. Museu de Belas Artes de Houston (EUA).

Essa ideia fica clara quando visitamos o jardim de Monet em Giverny. O pintor e sua família se estabelecem no vilarejo da Normandia em 1883. Imediatamente, ele transformou em jardim um pomar que descia gentilmente da casa até a estrada, na época de terra batida, onde também passava a ferrovia. Dez anos mais tarde, Monet comprou o terreno do outro lado da estrada e nele construiu a famosa lagoa dos nenúfares, que ganhou duas pontes japonesas. Na maior delas, encimada por uma pérgola, enroscam-se glicínias nipônicas, que cobrem a ponte com seus cachos azulados.

Jardim de Monet em Giverny (Normandia, França). Lagoa dos nenúfares com ponte japonesa e glicínias ao fundo. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (Maio 2019).

A arte japonesa era uma das grandes fontes de inspiração de Monet e, assim, na sua “natureza planejada”, ele insere esses elementos extremo-orientais como um dos pontos focais do jardim. Para se chegar ao lago dos nenúfares, bastava atravessar os trilhos.

Jardim de Monet em Giverny (Normandia, França). Lagoa dos nenúfares com a ponte japonesa menor e chorão ao fundo. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (maio 2019).

Com o passar dos anos, o jardim de Giverny se transformou numa verdadeira tela natural, cuja matéria prima não eram as tintas e sim as flores, folhagens, hastes, arbustos, nos seus infinitos matizes e texturas. Tratava-se de uma pintura viva, sempre em desenvolvimento com a mudança das estações e as intervenções do seu criador. O jardim de Giverny torna-se o tema central da pintura de Monet nos últimos vinte anos da sua vida. E as grandes telas com nenúfares das salas ovais do Museu de l’Orangerie (Paris), que anunciam a pintura gestual do século XX, são a apoteose do sonho e da simbiose homem-natureza aos quais nos referimos acima.

Casa e Jardim de Monet em Giverny (Normandia, França). Canteiros com flores – tulipas em meio aos miosótis. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (maio 2019).

Jardim de Monet em Giverny (Normandia, França). Canteiros com flores – tulipas e íris. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (maio 2019).

As grandes telas de l’Orangerie circundam o observador. Dessa forma, ele não está mais olhando de fora, observando à distância, mas está cercado, imerso na própria pintura, como quando, circundado pela vegetação e pela água, passeia ao longo das alamedas do jardim de Giverny. Nos dois casos, trata-se de um passeio na “realidade extremamente sonhada” – a das tintas, das pinceladas rápidas e cheias de energia da tela, e a da matéria prima vegetal, com as suas nuances de cor, forma e textura naturais, combinadas porém como se compõe uma tela -, ambas capazes de suscitar grande encanto, entusiasmo e, por que não?, júbilo. E não deveria ser exatamente essa uma das grandes qualidades dos parques e jardins?

Claude Monet, detalhe de um dos grandes painéis das “Grandes Décorations” – que é como o pintor chamava os seus nenúfares colocados no Museu de L’Orangerie.

A partir de 1926, ano da morte do pintor, foi sua filha adotiva (filha do primeiro casamento da segunda mulher do pintor), Blanche Hoschedé-Monet, quem cuidou da propriedade de Giverny. Depois da Segunda Guerra Mundial, a propriedade foi negligenciada. Em 1966, Michel Monet, filho do primeiro casamento e herdeiro do pintor, morre em um acidente. A casa, o jardim de Ginverny e a coleção de quadros e gravuras japonesas de Monet são entregues, por testamento, à Academia de Belas Artes de Paris. A partir de então, começa o longo processo de recuperação e restauração da propriedade, que é tombada em 1976 e abre ao público em 1980, sob a direção de uma fundação criada pela própria Academia para a administrar, a Fundação Claude Monet.

Para saber mais, visite o site da Fundação Claude Monet de Giverny.

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