O contraste entre a música de dois grandes compositores como o paulistano Paulo Vanzolini e o carioca Tom Jobim exemplifica a riqueza de estilos, de climas e de humores da MPB. Que tal dar um passeio no Parque Ibirapuera com algumas das canções compostas pelos dois na década de 1950, período em que o parque foi criado?
Às vezes, é difícil separar lenda de fatos. No caso do zoόlogo e compositor paulistano Paulo Vanzolini (1924-2013), relatos contraditόrios do prόprio compositor e a sua tendência para criar anedotas em torno da histόria das suas canções tornam o trabalho do historiador bastante espinhoso. Permanece o fato inequivocável de ele ter criado algumas das canções mais incisivas da música popular brasileira. Entre elas, Ronda, cantada e gravada nas últimas seis décadas por uma infinidade de intérpretes.
Muita gente conhece e canta a sua música, mas pouca gente sabe que ele foi um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e importante diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Nos trinta anos sob sua orientação, o museu aumentou a coleção de répteis de cerca de 1,2 mil para 230 mil exemplares. Aliás, um bom número de espécies de répteis e insetos leva o seu nome. Porém, quando não se dedicava aos seus estudos taxonômicos, Vanzolini escrevia canções, participava de programas de rádio e da vida boêmia de São Paulo.
Se, de um lado, temos datas certas para as gravações de suas músicas em disco, do outro, incertas são as datas de quando essas canções foram criadas. Ronda é um exemplo. O compositor afirma tê-la criado em 1945, no último ano do seu serviço militar no quartel do Ibirapuera, enquanto Alexandre Petillo, autor do livro Curtindo Samba, afirma que a canção foi composta em 1951. De qualquer forma, foi gravada pela primeira vez em 1953, por Ineztia Barroso.
O crítico literário Antônio Cândido escreveu, no encarte da caixa de cds Acerto de Contas, dedicada à música de Paulo Vanzolini, que “como autor de letra e música ele é o oposto da loquacidade, porque não espalha, concentra… tem a capacidade de achados verbais que fazem a palavra render o máximo”. Sim, ele condensa. Com pouco texto, cria imagens completas e contundentes da vida cotidiana e da boemia paulistana, com um enfoque amargo, dramático e com uma pitada de sarcasmo. Como em Volta por cima – que, aliás, deu origem à expressão “dar a volta por cima”, ou seja, superar uma situação negativa, um revés.
No extremo oposto de Paulo Vanzolini, encontramos o seu contemporâneo carioca Tom Jobim (1927-1994). Esse grande compositor, que está entre os criadores da Bossa Nova, trouxe a leveza para a música popular brasileira. Não mais tragédia, mas sim doce melancolia ou filosόfico desencanto.
Jobim teve uma sόlida formação musical erudita, mas, enquanto a sua atividade como compositor erudito se faz em surdina, a sua carreira como compositor popular decola em meados da década de 1950, quando ele compõe a música para a peça Orfeu da Conceição, escrita por Vinícius de Moraes. Daqui para a frente, será uma novidade e um sucesso atrás do outro, com várias parcerias. A começar por Chega de Saudade e Desafinado, gravadas por João Gilberto em 1959 (ambas se encontram na playlist do nosso primeiro “passeio com música”).
A música de Tom Jobim não sό conquistou os corações dos brasileiros. Atravessou os confins nacionais e alimentou o imaginário das Américas e da Europa, recebendo versões e interpretações em inglês, francês, italiano, espanhol…
Neste passeio com música do tempo em que o Parque Ibirapuera foi criado, propomos esses dois grandes e contrastantes compositores. Começamos com uma seleção de canções de Paulo Vanzolini da década de 1950, ainda que pairem algumas incertezas sobre as datas de composição, e terminamos com o gênio de Antônio Carlos Jobim, com músicas da mesma época. Algumas delas se repetem, com intérpretes diferentes e/ou gravações mais recentes. Eis a playlist.
Bom passeio. E não esqueça de deixar o seu comentário abaixo!