Chegamos à nossa caminhada final com música do tempo em que o Parque Ibirapuera foi criado. Escolhemos, para a despedida, uma das derradeiras obras de Heitor Villa-Lobos, que celebra a Floresta Amazônica e, portanto, a natureza. Duas grandes obras – o parque e uma peça sinfônica e coral – que se reúnem para uma experiência intensa.
Floresta do Amazonas, grande obra de Heitor Villa-Lobos, foi composta na década de 1950, a mesma época em que o Parque Ibirapuera foi criado. A sua curiosa histόria está ligada a um filme de Hollywood: trata-se do longa metragem Green Mansions, produzido pela Metro-Goldwyn-Mayer e dirigido por Mel Ferrer em 1959. Nele estrelavam Audrey Hepburn e Anthony Perkins.
Baseado num romance homônimo de 1905 de William Henry Hudson, o filme conta a intricada histόria de amor entre um jovem refugiado de Caracas, adotado por uma tribo indígena, e uma jovem de uma tribo inimiga. O roteiro é deveras mirabolante e o final trágico do livro, que vê a morte da jovem num incéndio, é transformado, na produção cinematográfica, num desfecho parcialmente feliz, com a protagonista feminina que parece ressurgir das cinzas…
Mas eis como a histόria do filme e da composição se cruzam: a trilha sonora do longa metragem foi encomendada a Villa-Lobos em 1958. Em seguida, porém, os produtores do filme confiaram a partitura de Villa-Lobos ao compositor Bronislau Kaper, que introduziu material prόprio, ainda que usando e adaptando parte do trabalho fornecido pelo compositor brasileiro. Obviamente, o ocorrido não agradou Villa-Lobos, o qual, no mesmo ano de realização e lançamento do filme, transformou a sua partitura em uma grande cantata – grande seja na beleza, na intensidade e no tamanho. Assim nasceu a cantata Floresta do Amazonas. O filme com Audrey Hepburn e Anthony Perkins não teve sucesso, mas deu o empurrão inicial para a criação de uma verdadeira obra-prima da música erudita brasileira e mundial do século XX.
Cantata é, via de regra, uma peça musical para um ou mais solistas vocais, acompanhados por uma orquestra – ou até mesmo mesmo um sό instrumento –, com a participação de um coro. A obra de Villa-Lobos tem todos esses ingredientes: um soprano como solista, um coro e uma grande orquestra. O compositor, como era de se esperar, fez um amálgama vigoroso de ritmos e linhas melόdicas indígenas, de formas musicais brasileiras e europeias. O resultado é uma peça exuberante, intensa, que parece emergir das entranhas da Terra.
A instrumentação remete ao ambiente luxuriante e denso da mata, em movimentos que alternam a quietude e o alvoroço. Será difícil não reconhecer a ária Melodia Sentimental, que, desde a sua criação, foi interpretada por inúmeros cantores, eruditos e populares, entre os quais João Bosco e Maria Bethânia.
Para este nosso último passeio com música do tempo em que o Parque Ibirapuera foi criado, escolhemos a gravação de Floresta do Amazonas regida pelo prόprio Villa-Lobos em 1959, pouco tempo antes de ele falecer, cuja solista é o grande soprano brasileiro Bidu Sayão. Trata-se de uma versão abreviada da partitura original, talvez para consentir que a obra coubesse em um sό LP. Mais recentemente, outras gravações surgiram, como a versão integral regida por Alfred Heller, à frente da Orquestra Sinfônica da Rádio de Moscou, tendo como solista a americana Renée Fleming; ou a da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, regida por John Neschling, com a voz do soprano húngaro Anna Korondi.
Boa caminhada no parque com Floresta do Amazonas! (Clique aqui para ouvi-la.)
Não deixe de conferir os outros Passeios com música no parque, disponíveis na Revista do Parque, do portal do Parque Ibirapuera Conservação. Você, certamente, descobrirá algo do seu agrado, seja nas páginas dedicadas à música erudita, seja nas dedicadas à MPB. Um abraço a todos!