O que uma fotografia em branco e preto antiga nos conta sobre um parque – neste caso, o Parque Ibirapuera – e a sua importância na vida de uma criança?
Fotografias podem contar muitas coisas. Mesmo que não conheçamos quem nelas está ou quem as tirou. Olhando para essa fotografia em branco e preto, vejo uma mãe amorosa com a filha exausta no colo. Posso dizer que a menina correu incessantemente nos espaços abertos do parque onde se encontram – o Parque Ibirapuera. Sei, também, que a fotografia não é nada recente. Não só por causa da touca alva da menininha, amarrada sob o queixo, que não se usa mais há muito tempo; mas, principalmente, por causa da grama ainda muito rala e da falta de árvores e arbustos nas imediações da marquise, que vemos ao fundo, junto com um recorte da inconfundível cúpula branca da Oca.
Provavelmente, quem tirou a fotografia – talvez, o pai da menina – não estava preocupado em registrar o parque, mas a cena da criança exausta e adormecida – que eu ousaria dizer feliz – de tanto correr pelo gramado, a ponto de ter que ser carregada no colo para casa. Porém, o gramado raso e a ausência de outra vegetação me contam que essa cena ocorreu nos primeiros anos da década de 1960, quando grande parte das plantas e árvores do parque ainda estava pequena ou nem tinha sido plantada.
Agora, tentemos imaginar o que esses gramados amplos, esse espaço aberto e o que já havia de vegetação crescida no Parque Ibirapuera representavam para essa menininha de aproximadamente três anos e para os seus pais. Sem dúvida alguma, tivessem eles a consciência disso ou não, representavam a liberdade! Liberdade de correr para a menina e a liberdade de deixar correr para os pais. Representavam o contato com o elemento natural: o verde, o ar, a água. E tanta luz! A menininha, agora dormindo no colo da mãe, se embriagou de verde, ar e luz. A sua exaustão vem dessa embriaguez sadia. E, por sua vez, os pais – quero acreditar – estavam embriagados com a embriaguez da filha.
Acontece que eu conheço essa meninnha – que, hoje, é mãe de uma filha também crescida. Algum tempo atrás, em torno de uma fotografia do Ibirapuera que eu publiquei no Facebook (foto ao lado), tivemos o seguinte diálogo:
— O Ibirapuera é o jardim onde cresci, da minha infância. Tudo o que diz respeito a ele mexe comigo!, contei eu.
— Ah….pra mim também! Momentos lindos com minha mãe e irmãos correndo pelo parque, depois com minha filha… Fui uma grande frequentadora deste lugar.
Foi então que ela me presenteou com a fotografia em branco e preto.
— Essa sim que é uma foto linda!, disse eu. Você está morta de cansada e, lá atrás, tem uma Oca com o Museu da Aeronáutica e o Museu do Folclore esperando por você… Lembra desses dois na Oca?
— Ô se lembro!! Assim como da visita com minha escola ao Museu do Folclore e o quanto fiquei pensando sobre folclore e culturas populares. Eu sentia, aos 11 anos, acho, que existia alguma coisa errada, não conseguia entender o quê. Depois, ficou muito claro para mim que o folclore era visto, hoje está mudando, sem a força das raízes, mas como invencionices do povão humilde… sem importância cultural merecida. O folclore é uma força gigante e ficou minimizado em importância durante décadas. Hoje está mudando.
A menininha se tornou uma artista. Uma ilustradora, que ilustrou um número incontável de livros, jornais e revistas. Chama-se Lúcia Brandão e, atualmente, mora numa cidade do interior paulista – diz ela “em busca de mais tranquilidade e uma vida natural num ambiente rural”.
Posso dizer mais: além da sua atividade artística, ela é uma árdua defensora dos direitos dos animais.
Mas o que tudo isso tem a ver com o Parque Ibirapuera? Muito! Olhando para os desenhos encantadores da Lúcia, notamos imediatamente a presença constante das árvores, dos animais e de grandes espaços abertos, especialmente nos trabalhos dos últimos dez anos. As suas menininhas parecem ser ela mesma correndo e se embriagando de verde, ar e luz no parque onde fora feliz na infância. As suas árvores, os seus onipresentes passarinhos, as suas nuvens são a recriação dessa felicidade.
Ela, como eu, teve um parque onde ser feliz. E, como eu, deseja que todas as crianças tenham essa felicidade. Ah, não só as crianças, logicamente! Os adultos também – e os pássaros, os cachorros, os gatos…