Ainda bem que Roberto Burle Marx está morto e não pode ver o que está acontecendo no Brasil: o desprezo das “autoridades” brasileiras pelo meio ambiente; a devastação da Amazônia, do cerrado, da mata atlântica; o sucateamento planejado dos parques nacionais, estaduais e urbanos, para entregá-los nas mãos até mesmo de empresas indagadas por corrupção…
Não consegui deixar de pensar nisso durante a minha visita à exposição “Brazilian Modern: The Living Art of Roberto Burle Marx”, no New York Botanical Garden, entre algumas das plantas que o próprio Burle Marx descobriu nas suas expedições botânicas e que levam o seu nome.
Uma placa entre outras no percurso da exposição tem a virtude de aguçar ainda mais a minha angústia. Leva a seguinte frase de uma aula de 1962 do grande paisagista brasileiro:
O jardim é, deve ser, parte integrante da vida civilizada; uma necessidade espiritual e emocional profundamente sentida, profundamente enraizada.”
Como explicar isso para um prefeito que quer entregar o parque urbano mais importante da cidade de São Paulo nas mãos de uma empresa com fim de lucro não qualificada para administrá-lo e que, ainda por cima e com toda evidência, quer transformá-lo num caça níqueis em detrimento da preservação adequada da flora e da fauna que o habita?
Mais alguns passos e outra bofetada (vinda de 1970):
…Preservar espécies de plantas através da composição de jardins é uma forma de proteger as futuras gerações da solidão extrema.”
Vai explicar isso para um prefeito cuja única preocupação é se livrar dos parques públicos com o pretexto de “desonerar” a prefeitura – o que, aliás, não é verdade e nem está garantido de forma inequivocável no contrato de concessão e/ou no pseudo plano diretor que a prefeitura se apressou em fornecer, para tentar enrolar a opinião pública e o Ministério Público, que suspendeu a concessão por seis meses, para que as irregularidade (inúmeras) fossem sanadas.
Mas vamos à exposição do Jardim Botânico do Bronx. Eu estava um pouco cético em relação a ela. Como recriar temporariamente um jardim de Burle Marx? Não se trataria de um falso? Não se pareceria com uma cópia ruim de algo que é irreproduzível – como seria com uma fotografia chapada em relação a um quadro original de Monet?
Antes de mais nada, os organizadores tiveram o cuidado de não fazer uma reprodução e sim criar um jardim novo com uma somatória das ideias de Burle Marx: disposição das plantas em grandes tapetes e/ou linhas sinuosas monocromáticas juxtapostas e contrastantes – além de inesperadas justaposicões de texturas; uso das espécies nativas (mas não exclusivamente); integração com painéis em alto relevo abstrato de concreto, que, nos jardins de Burle Marx, servem seja de limite entre planos de diferentes alturas, seja como pano de fundo para cascatas artificiais; calçadas em mosaico com motivos abstratos sinuosos, com alternância ente o preto e o branco (ainda que Burle Marx também usasse o vermelho, como se pode ver na calçada central da Avenida Atlântica de Copacabana e no Key Biscane Boulevard, em Miami).
Todos esses e muitos outros elementos estão presentes no projeto desse jardim temporário confiado a Raymond Jungles, arquiteto paisagista discípulo de Burle Marx com escritório na Flórida, e nos reconduz à concepção modernista de parques e jardins do arquiteto paisagista brasileiro.
Pequenos problemas viam-se aqui e ali, como bromélias expostas excessivamente ao sol, um pouco sofridas com o calor intenso e seco de Nova York neste final de semana… A calçada modernista também não era feita com as pedras portuguesas típicas dos calçamentos de Copacabana e de muitos outros lugares Brasil afora e sim com uma espécie de asfalto ou superfície sintética lisa. Para um brasileiro, talvez as pedras portuguesas – que, agora, a prefeitura de São Paulo quer tirar do Centro Histórico (é mesmo o caso de dizer que não dão uma dentro!) – fizessem falta. Mas nada podia e pode comprometer a atmosfera de felicidade que a riqueza botânica, de cores, de texturas, que as constantes surpresas típicas de um jardim, parque ou praça de Burle Marx têm, se bem preservados. Essa atmosfera estava presente em abundância no jardim temporário da exposição.
A exposição continua num braço das grandes estufas (o Conservatory) do Jardim Botânico novaiorquino, adjacente ao jardim temporário, com plantas cujos nomes são dedicados ao próprio Burle Marx, entre outras, formando minijardins e/ou pequenos recantos inspirados nas suas idéias; e, nas dependências da biblioteca do jardim, a maior e mais completa biblioteca botânica das Américas, uma exposição lembrava não só o pintor e tecelão Roberto Burle Marx, mas também as suas expedições botânicas, as características dos biomas brasileiros e os desafios para a sua conservação.
Foram horas de júbilo e tristeza. Júbilo por estar tão perto de uma grande mente, de suas realizações e de sua filosofia, que coloca a botânica no âmago da humanidade; tristeza por saber que essa filosofia é ignorada, para não dizer vulgarmente desprezada, no país de origem do próprio Roberto Burle Marx. Nunca como agora a natureza esteve tão ameaçada no Brasil.
O desejo seria que esse jardim temporário criado para a exposição fosse permanente – uma explosão de vitalidade e alegria no grande, belo e sisudo Jardim Botânico do Bronx. Mas a própria natureza nos ensina que, nestas paragens, ainda que respeitado e venerado, não sobreviveria ao clima rígido do outono e do inverno novaiorquinos…
Informe-se sobre a exposição no site do New York Botanical Garden aqui.
Leia a resenha do New York Times sobre a exposição (em inglês) aqui.
Texto e imagens © Roberto Carvalho de Magalhães