E a transparência? E o plano diretor? Um gêiser no olho do ciclone e o dilema do Parque das Águas de Caxambu

Há algo de muito preocupante com o descaso da administração pública em geral pelos parques e jardins públicos no Brasil, históricos ou não. O que deveria ser um orgulho e uma vitrine para uma boa administração, parece ser um estorvo ou, simplesmente, ter se tornado uma mercadoria no jogo político e nas trocas nada transparentes entre a política e o mercado. O bem-estar dos cidadãos (verdadeiros proprietários dos parques públicos), a preocupação com o meio ambiente, para não falar da própria identidade e do significado histórico de muitos parques e jardins, são temas relegados ao esquecimento. Um esquecimento conivente com a barbárie que toma cada vez mais conta das cidades.

Essa total falta de compromisso com o bem-estar social e com o respeito da cidadania é o que leva a planos absurdos e pouco transparentes de “privatização” da gestão dos parques, que passam por cima da própria população e afrouxam os vínculos históricos e legais que garantem a preservação adequada deles e da sua identidade.

Estamos correndo esse risco com o Parque Ibirapuera. A prefeitura prefere a concessão com fim de lucro – ainda por cima, a empresas de gestão de parques de diversão e/ou shopping centers, que não têm absolutamente nada que ver com um parque como o Ibirapuera e que distorceriam totalmente a sua função, a sua história e a sua importância para o bem-estar social e para o meio ambiente. Ainda que o modelo que tem dado grandes resultados no mundo seja o da concessão e/ou parceria com organizações da sociedade civil sem fim de lucro.

Mas o Parque Ibirapuera não está sozinho nessa deriva da falta de políticas sérias, que preservem a identidade e o interesse social dos parques públicos. Um exemplo de deriva administrativa, da falta de uma política transparente e da tentativa de entregar o ouro público para a gestão privada com fim de lucro – e, certamente, sem compromisso com o bem estar social ou com a história – é o do Parque das Águas de Caxambu, em Minas Gerais.

Parque das Águas de Caxambu, Minas Gerais. Agosto de 2018. Foto: Graça Pereira Silveira.

Reproduzimos abaixo um texto de Graça Pereira Silveira, que revela essa falta de transparência. O parque, atualmente de pertinência da empresa pública Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), corre o risco de ver as suas águas privatizadas, ainda por cima para uma companhia que não é do setor. Enquanto isso, seja a Codemig, seja a prefeitura de Caxambu lhe dedicam poucos cuidados.

Reflexões sobre o gêiser do Parque das Águas de Caxambu…

Estive no parque em Caxambu e tentei saber o que está sendo feito para recuperar o gêiser. As informações não são claras, pois não são oficiais.
Não existe nenhuma placa indicando sobre a obra e quem são os responsáveis pela mesma. A única coisa que consegui saber por funcionários é que existem geólogo e engenheiro acompanhando a obra, mas não sabemos o que está sendo feito ali.
Sempre dissemos que o gêiser foi muito prejudicado por aquele piso de cimento, por aquele cogumelo (horrível por sinal) e por, ultimamente, essa injeção de água através de uma bomba para provocar a sua erupção artificialmente.
Aí, eu pergunto…
– Todas essas intervenções vão ser retiradas ou serão mantidas? Que cuidados estão sendo tomados com o subsolo que abriga nossas águas minerais? Algum órgão especializado em geologia está acompanhando? Quem nos dará essas respostas?
É preciso haver transparência nessa obra.
Precisamos acompanhar!
Temos que respeitar a Natureza e observar quando ela nos dá um recado.
O gêiser tem que voltar a jorrar livremente como sempre foi, pois, senão, corre o risco de acabar!

‘A Natureza é um todo , cada pedaço dela que se extingue é um pedaço nosso que se vai’
(autor desconhecido)” 
Graça Pereira Silveira

Gêiser do Parque das Águas de Caxambu, Minas Gerais, conberto com cimento e com jato canalizado por um cogumelo de gosto discutível… Agosto de 2018. Foto: Graça Pereira Silveira.

Se pensarmos que um gêiser é uma raridade hidrogeológica no mundo, não fica difícil entender essa preocupação. Mas a preocupação se estende a todo o Parque das Águas de Caxambu, ao seu belo edifício histórico (e tombado) e às suas alamedas e cobertura arbórea, que remontam aos tempos da Princesa Isabel, assim como a fauna que nele habita. A preocupação se estende a todos os parques e jardins públicos brasileiros, urbanos ou não. Pois, se prevalecer a mentaidade mercantilista das propostas de concessão atuais, seja do Parque Ibirapuera, seja do histórico parque mineiro, abre-se um péssimo precedente contra a adequada preservação dos parques públicos e o seu interesse social.

Gêiser do Parque das Águas de Caxambu, Minas Gerais. Obras de conserto do buraco, provocado por erosão, no absurdo piso de cimento sobre o gêiser e na sua absurda canalização. Agosto de 2018. Foto: Graça Pereira Silveira.

Graça Pereira Silveira é caxambuense, professora aposentada e membro da AMPARA – Associação Amigos do Parque das Águas de Caxambu, que luta pela preservação do Parque das Águas, pela transparência na sua administração e pela preservação do seu interesse público.

Saiba mais sobre o Conjunto Paisagístico e Arquitetônico do Parque das Águas de Caxambu aqui.

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