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Um passeio ou meditação no Ibirapuera ao som de música para piano solo do tempo em que o parque foi criado? O compositor paulista Camargo Guarnieri nos dá essa possibilidade.
A leveza de São Paulo no Parque Ibirapuera. Foto: Serlunar.

A leveza de São Paulo no Parque Ibirapuera. Foto: Serlunar.

O piano foi inventado em Florença, Itália, no final do século XVII, pelo fabricante de instrumentos musicais Bartolomeo Cristofori di Francesco. Desde então, foi objeto de constante evolução e tornou-se um instrumento central na história da música ocidental.

Grandes ciclos de estudos, prelúdios, sonatas e outras formas musicais com propósitos vários foram criados para o instrumento. Entre eles, as 32 sonatas para piano de Beethoven, os Noturnos, Estudos e Prelúdios de Chopin, as Rapisódias Húngaras de Liszt… a lista é interminável.

No Brasil – como, de resto, nos países do assim-chamdo Novo Mundo –, cuja produção de música erudita depende, inicialmente, dos modelos europeus, os ciclos originiais dedicados ao piano começarão a aparecer no final do século XIX. Entre eles, encontram-se os Tangos Brasileiros, Polcas e Valsas de Ernesto Nazareth, que, até hoje, ocupam um espaço indefinido entre música erudita e popular.

Grandes ciclos de música para piano, com uma linguagem que se pode dizer original “brasileira”, aparecerão no século XX. Heitor Villa-Lobos é o compositor que abre o caminho: Prole do Bebê n.º 1 (1918), Prole do Bebê n.º 2 (1921), Cirandinhas (1925), Cirandas (1929) e os onze álbuns intitulados Guia Prático, que contêm 137 arranjos para piano de temas populares e folcóricos, elaborados de 1932 a 1947, são somente alguns exemplos da sua vasta produção para o instrumento.

Outros compositores seguirão o exemplo: Francisco Mignone, com as suas Valsas de Esquina (1938-43) e Valsas Choro (1946-55); Cláudio Santoro e as suas duas séries de Prelúdios (1946-50, 1957-63) e Paulistanas (1952-53), entre outras; e Osvaldo Lacerda com os 12 Estudos (1960-76), Brasilianas (1965-93) e Ponteios (1956-83).

Porém, talvez o ciclo para piano solo mais notável dessa geração de compositores seja o dos cinco cadernos de Ponteios, de Mozart Camargo Guarnieri, dos quais, três – os de número 3, 4 e 5 – foram compostos na década de 1950. Por isso, nós os escolhemos para um novo passeio no Parque Ibirapuera com música do tempo em que ele foi criado.

Retrato de Camargo Guarnieri, de 1935, por Candido Portinari. Col. Particular. Fonte: Portal Portinari (http://www.portinari.org.br/)

Retrato de Camargo Guarnieri, de 1935, por Candido Portinari. Col. Particular. Fonte: Portal Portinari (http://www.portinari.org.br/)

Primeiro, convém lembrar o significado da palavra ponteio. Ela deriva do verbo “pontear”, que, na linguagem dos violonistas populares brasileiros, significava tocar uma pequena peça para verificar se o instrumento estava afinado, antes de começar a tocar realmente. Assim, ponteio se identifica com “prelúdio”, que é uma peça que se toca na abertura de um recital, para “esquentar”.

Por que, então, não usar o termo “prelúdio”? Como lembra Marion Verhaalen, autora do livro Camargo Guarnieri: expressões de uma vida, o próprio compositor dizia que os ponteios “são prelúdios que têm caráter clara e definitivamente brasileiros” e que, portanto, achou melhor “usar uma palavra diferente de ‘prelúdio’ para expressar esse caráter brasileiro”. Foi Camargo Guarnieri quem introduziu esse termo na nomenclatura musical erudita. Os seus ponteios são peças breves, que raramente ultrapassam três minutos de duração. As peças – que, normalmente, se limitam à exposição de um tema e a sua repetição, com ou sem variação – oferecem uma grande variedade de melodias, ritmos e estados de ânimo, além de vários níveis de dificuldade técnica. Não é raro que também se distanciem da harmonia tradicional e apresentem tonalidades ambíguas. Às vezes, são até mesmo atonais.

Os ritmos e elementos melódicos dos Ponteios de Camargo Guarnieri carregam o espírito das modinhas, das toadas, das cantigas de roda infantis e das frenéticas danças de origem africana – de forma absolutamente original. Pela brevidade das peças, elas não têm a característica de arquitetura sonora, como as sinfonias ou os concertos. Mas podemos compará-las a flores, com a sua variedade de formas e cores.

Capa e selo de um dos LPs com a primeira gravação integral (1961), pela pianista Isabel Mourão, dos 50 Ponteios de Camargo Guarnieri.

Capa e selo de um dos LPs com a primeira gravação integral (1961), pela pianista Isabel Mourão, dos 50 Ponteios de Camargo Guarnieri.

Eis aqui os Cadernos III, IV e V dos Ponteios de Camargo Guarnieri, na brilhante interpretação do pianista Max Barros. Vamos levá-los ao Parque Ibirapuera, para que deem cor e ritmo ao nosso passeio!

Leia mais sobre Camargo Guarnieri (português).

Para saber mais sobre os Ponteios de Camargo Guarnieri, leia aqui (inglês).

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