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O sol brilhante queimava. Banco na sombra? Mas não tinha…

por Roberto Carvalho de Magalhães

“O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos sό bem no sol.” (Mário de Andrade, Primeiro de Maio, em Contos Novos).

À beira do lago no Parque do Ibirapuera. Foto: Rodrigo Soldon.

À beira do lago no Parque do Ibirapuera. Foto: Rodrigo Soldon.

Contos Novos, do paulistano Mário de Andrade, são um dos meus livros de cabeceira. Releio de vez em quando. Leio de novo, releio ainda uma vez e sempre tenho vontade de voltar a ele. Nunca me canso. Sempre descubro alguma coisa, algo que não tinha reparado antes, apesar da leitura atenta, ou algo que vem à ribalta em função das preocupações ou interesses do momento.

Desta vez, carreguei-o comigo enquanto levava o carro para a revisão. Vê-se que não é somente livro de cabeceira não: é livro de bolsa, de mochila, pasta, debaixo do braço, viagem… Enfim, um amigão. E esse amigo me fez cair na gargalhada enquanto aguardava o carro, na saleta de espera da concessionária. No excelente conto “Primeiro de Maio”, cuja primeira versão é de 1934, leio o seguinte: “O sol brilhante queimava, banco na sombra? Mas não tinha, que a Prefeitura, pra evitar safadez dos namorados, punha os bancos sό bem no sol”. Então, o problema dos bancos e da “safadez” nos parques de São Paulo não é de hoje!

O Parque Ibirapuera ainda não existia naquela época. Mário de Andrade, um dos grandes pioneiros na criação dos parques infantis de São Paulo, morreu em 1945 e, infelizmente, não o conheceria. A passagem do conto se refere ao Jardim da Luz, o parque público mais antigo da cidade, que também teve os seus altos e baixos. Num ensolarado Dia do Trabalhador, o protagonista procura um banco à sombra, mas não encontra. Por quê? Porque a Prefeitura, para evitar atos sexuais e pegação no parque, havia tirado todos os bancos situados à sombra e lugares recônditos…

Mário de Andrade com um grupo de crianças durante uma visita a um dos parques infantis de São Paulo, criados na sua gestão do Departamento Municipal de Cultura. Foto: João Mussolin.

Mário de Andrade com um grupo de crianças durante uma visita a um dos parques infantis de São Paulo, criados na sua gestão do Departamento Municipal de Cultura. Foto: João Mussolin.

Pois bem: sexo e pegação no Parque da Luz, como é chamado atualmente, existem até hoje, oito décadas depois. Fazer com que o protagonista do conto sentasse ao sol num dia de calor intenso não resolveu nada. O parque é lindo, mas está situado numa área da cidade que viu dias melhores e que, lentamente, está se recuperando. Tirar os bancos da sombra não sό não resolveu o problema como também impediu que milhares de pessoas se sentassem à sombra em dias insuportavelmente ensolarados…

Parque da Luz. Foto: Carlos Roberto Torres.

Parque da Luz. Foto: Carlos Roberto Torres.

A administração do Parque Ibirapuera não aprendeu com a histόria – ou parece desconhecê-la completamente. Não sό é avara em distribuir bancos bem desenhados, duradouros e com encosto, mas iniciou uma campanha de destruição da vegetação mais rasteira e de iluminação tipo estádio de futebol do parque à noite, negando o necessário repouso à sua flora e fauna. Mesmo assim, o parque acorda constantemente com um rastro de apetrechos sexuais, camisinhas e o que for. A vegetação ciliar se foi, as aves não conseguem dormir, mas o sexo e a pegação continuam.

A esta altura, está mais do que claro que o problema se encontra em outro lugar. Não será que é uma má ideia deixar o parque aberto até tarde da noite ou mesmo a noite toda, como ocorre nos fins de semana, numa cidade como São Paulo, dilacerada pela criminalidade e pela falta de respeito pelos bens comuns? Não será que falta uma vigilância mais adequada e uma imposição efetiva das regras?

Os bancos e o verde não têm nada que ver com o comportamento promíscuo e fora de lugar de alguns cidadãos. Os bancos e o verde são a alma daquilo que chamamos de parque. Torná-los vítimas de pseudo medidas de segurança é um atentado contra a prόpria essência do parque e contra todos os cidadão que merecem o verde e os bancos nas sombras, na beira do lago, onde quer que seja.

  • Leia aqui o conto “Primeiro de Maio” (p. 18 do livro) e, se quiser, os outros contos de Contos Novos.
  • Sobre o pioneirismo de Mário de Andrade na criação dos parques infantis da cidade de São Paulo, veja este este artigo.

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