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Os conflitos de interesse do edital de concessão do Parque Ibirapuera

por Roberto Carvalho de Magalhães

Parque Ibirapuera, ponte metálica. Foto: Árvores da Cidade.

Acho que todos concordamos que o Parque Ibirapuera, assim como os outros parques municipais, não deveriam ser transformados em caça-níqueis a céu aberto. Parques são, acima de tudo, lugares de preservação da natureza, que deveriam gerar bem estar e não estresse social. Os seus frequentadores deveriam ser tratados com respeito e não como alvo de uma agressiva campanha ao consumo for profit.

O que se vê no edital de concessão, suspenso por seis meses em função, entre outras coisas, de visíveis irregularidades e desacordos com as leis de preservação do meio ambiente e do patrimônio histórico-arquitetônico, é que o bem estar do usuário, os seus direitos aos serviços socioambientais prestados pelas áreas verdes nunca ocupam o primeiro plano do documento. O usuário torna-se simplesmente um objeto de transações econômicas. O protagonista do documento não é o bem estar do frequentador ou os seus direitos de cidadão: é o seu bolso.

A falta de um plano diretor rigoroso que garanta de forma inequivocável a preservação do verde, os serviços socioambientais, a identidade e o interesse público do Parque Ibirapuera é, no mínimo, embaraçante e causa espanto o fato que um edital tão deficiente tenha sobrevivido até aqui.

Com a sua suspensão, temos que nos perguntar: que parque queremos? o que precisa ser feito? quem fará o quê? Muita gente não sabe, mas estruturas como o MAM, o Museu Afro Brasil, a Bienal e o Pavilhão Japonês, que se encontram dentro do Parque Ibirapuera, são geridas por fundações de caráter social e funcionam muito bem. São instituições auto sustentáveis e motivo de orgulho para o próprio parque. E essa seria, também, a via mais indicada para outras estruturas, como o Planetário, o Pavilhão das Culturas Brasileiras, etc..

As instituições que funcionam dentro do Parque Ibirapuera – e, nelas, incluímos também o Viveiro Manequinho Lopes, o Campo Experimental de Jardinagem, a UMAPZ e a Escola Municipal de Astrofísica – têm, claramente, importante função educativa na cidade e contribuem para a identidade sociocultural do parque. Essa identidade é diretamente ameaçada pelo edital, que dá destaque, fundamentalmente, à promoção de atrações e atividades comerciais de entretenimento típicas de um shopping center ou de um parque de diversões.

Ora, o Parque Ibirapuera não é nem uma coisa, nem outra; e não deve se transformar em nenhuma das duas. Isso implicaria no aviltamento das suas funções socioambientais, ecológicas e culturais. Enfim, da sua própria identidade. A grande atração do parque já está lá: é o seu verde exuberante e a sua fauna, o seu paisagismo, a sua arquitetura e as instituições culturais que nele funcionam.

As áreas que, sem dúvida, podem ser exploradas comercialmente por empresas com fim de lucro, de forma mais competente e eficiente, e gerar ativos para o parque são os setores de alimentação, estacionamento, cursos especiais em áreas designadas que não entrem em conflito com e/ou limitem o uso por parte do público em geral dos espaços do parque. Não seria de se descartar, ainda, a criação de uma ou mais lojas de souvenirs ligados estreitamente ao próprio parque, com as suas marcas específicas, o que ocorre com grande sucesso em museus e parques, urbanos ou não, ao redor do mundo.

O manejo do parque não pode ser deixado ao critério de um gestor for profit qualquer, ainda por cima sem competência nos serviços ecológicos e de preservação ambiental e paisagística. Lembremos que não são somente os edifícios de Oscar Niemeyer que estão tombados e contribuem para a criação da identidade do Parque Ibirapuera. Toda a cobertura verde dentro do perímetro do parque, que compreende o paisagismo de Otávio Augusto Teixeira Mendes, também está tombada. O manejo precisa, sim, de agilidade, mas não pode ficar à mercê de uma empresa que, entre aumentar o ganho dos seus acionistas e realizar controles ininterruptos e minuciosos e incrementar o verde, escolherá inevitavelmente o primeiro. E, nesse ponto, o edital é vergonhosamente omisso.

Por isso é que sempre defendemos a atuação de uma organização da sociedade civil de interesse público no governo do Parque Ibirapuera, pois somente ela pode evitar o conflito entre ganho econômico e real tutela do verde e dos seus serviços socioambientais.

Para ter algum valor para a sociedade e para o meio ambiente, o edital de concessão precisa resolver esses inúmeros conflitos, que são verdadeiros conflitos de interesse entre a procura do lucro e a função sociocultural e meioambiental de um parque público urbano.

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