A história da associação dissolvida Parque Ibirapuera Conservação

A história da associação dissolvida “PIC – Parque Ibirapuera Conservação”

A associação Parque Ibirapuera Conservação (PIC), organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), sem fins lucrativos e mantidas exclusivamente pelos seus associados, sem qualquer repasse público, foi dissolvida em março de 2020. A PIC foi concebida nos bastidores do Conselho Gestor do Ibirapuera para avançar o modelo de transformação de espaços —e das pessoas— com atividades de sensibilização, conservação e melhorias das áreas verdes públicas e urbanas. A associação essencialmente trabalhou para estruturar e replicar as iniciativas do Central Park Community Fund de focar no financiamento da solução de problemas de abandono de áreas do parque, como na do Central Park Task Force, unindo e provendo força voluntária para melhorar e cuidar do parque junto a comunidade.

A desmobilização em 2020 aconteceu diante da política pública municipal interessada em se afastar da gestão direta de suas áreas verdes, mas céptica em relação ao potencial da sociedade civil em assumir no curto prazo o cuidado de áreas verdes não geradoras de caixa. O munícipio preferiu por “inovar” e simplificou a concessão em uma única e longa concessão de áreas de parques junto a empresas com fins de lucro, ou seja, incumbiu a concessionaria de buscar receita nas áreas verdes e abertas ao ceder uma área muito substancial do bairro e parque do Ibirapuera para exploração comercial na crença de assim resolver o problema de gestão local e financiamento. Infelizmente, agora, sem a devida reflexão, o município ficou impossibilitado de avançar modelos mais robustos, escaláveis e sustentáveis para cuidado de seus outros +100 parques, +1000 praças e quilômetros de calçadas.

O município acabou por abrir mão de engajar e acessar capital humano e financeiro sem contrapartidas para melhorar e transformar suas áreas verdes urbanas naturalmente deficitárias ao não focar no desenvolvimento interno de um modelo de gestão de múltiplas concessões de ativos geradores de caixa em áreas públicas com plena concorrência, ou tampouco facilitar o avanço de associações como a embrionária PIC, como inspiração para a criação de outras cidade afora.

Apesar da ampla discussão sobre a ideia do setor público se afastar da gestão direta das áreas públicas, pouquíssimo foco foi dado ao potencial desequilíbrio econômico financeiro desta escolha de concessão municipal, que além da irreplicabilidade nos outros 99% das áreas verdes e públicas da cidade, implicaria no constante embate pouco funcional entre geração de caixa e o limite de poluição visual e sonora no parque. O Tribunal de Contas do Município demorou a apreciar o assunto e quando o fez, não aprofundou, como era tarde.

A participação das pessoas no futuro dos parques, infelizmente, aparenta seguir de forma difusa e não organizada, logo todo esforço cidadão será necessário, debatendo os desafios e o dia-a-dia das politicas públicas sobre as áreas verdes, históricas e de lazer que tanto respeitam. É importante que o futuro das áreas verdes e públicas urbanas mantenha o interesse público, nunca desvirtuando o propósito com incentivos comerciais difusos e muitas vezes contrários à conservação dos espaços.

O nascimento e evolução do PIC

O conceito e a semente do movimento nasceu nas reuniões do Conselho Gestor do Parque Ibirapuera por volta de 2010 com a busca da formação de uma associação de amigos capaz de organizar as demandas e ajudar na entrega do que a prefeitura reclamava não ter braços para fazer: engajar os frequentadores, captar recursos, restaurar e revitalizar pedaços dos parques. Inúmeros conselheiros eleitos para o Conselho Gestor do Parque Ibirapuera, ao menos um representantes de cada uma das composições de conselheiros do Conselho Gestor desde sua constituição em 2003 até 2020, chegaram a contribuir com o trabalho do que viria a ser chamado de PIC.

Foi deste movimento de busca pela profissionalização da sociedade civil organizada para transformar e auxiliar no cuidado e manutenção das áreas verdes e abertas do bairro, como na restauração e revitalização de construções histórica e públicas que todos apoiadores depositaram sua crença e apoiaram o PIC com a doação de milhares de horas suadas na constituição e fortalecimento da associação. Todos acreditando na união da agilidade privada com o interesse público para um parque sempre aberto para a população, para o uso e benefício de todos.

Com a eventual formalização do movimento, que só aconteceu quando a prefeitura passou a ver o potencial da parceria e conquistou a oportunidade de cuidar do bosque da leitura no parque, graças a um Termo de Parceria a partir de uma portaria intersecretarial entre Secretaria do Verde e da Cultura, nasceu o PIC.

Prefeitura de São Paulo fala da parceria com o PIC

Seu trabalho se multiplicou e o PIC foi, inclusive, eleito por outras entidades da sociedade civil como membro titular no Conselho Gestor do Parque Ibirapuera. Em seguida, eleito também para o Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de São Paulo, onde, como uma associação, foi escolhida entre seus pares como organização relatora da Câmara de Pauta do Conselho Municipal, secretariando e, interinamente, ocupou inclusive a presidência desta Câmara, quando capitaneou um exercício de releitura e reorganização do trabalho de desenvolvimento sustentável em praticamente todas as secretarias de governo.

Inspiração

Foi só com o tempo e muitas horas vagas doadas no movimento de amigos do parque que o PIC nasceu de fato, mas seu caminho, apesar de inovador e inicialmente estranho ao município de São Paulo, não era de todo estranho fora do país. A organização se inspirou em experiências e nomes estrangeiros, como o Lincoln Park Conservancy, maior parque urbano de Chicago, onde por décadas os amigos do parque, através da sociedade civil organizada, ou seja o esforço e governança cidadã passam a ser instrumental no cuidado e zeladoria de áreas especificas do parque, em especial da revitalização e engajamento dos usuários na melhoria das áreas verdes e históricas.

Este modelo de governança do terceiro setor auxiliando da forma que consegue, gradativamente, no cuidado de áreas verdes e públicas, engajando a sociedade civil em parques urbanos, hoje é uma crescente em cidades americanas, inglesas, australiana e latino americanas. As pessoas se unem para independentemente da capacidade de investimento do governo, poder fazer mais pelo parques. Um exemplo do modelo que não só deu certo por décadas fazendo melhorias pontuais e cuidando delas, mas alcançou hoje uma estrutura capaz de cogerir as áreas verdes e deficitárias do Central Park – através de uma associação, Central Park Conservancy, não faz e nunca se dispôs a fazer a gestão de concessões com fins de lucros como restaurantes, carrinhos de comida ou espaços de eventos – serve de exemplo para as mais mil outras organizações de amigos de parques que foram se formando para cuidar dos outros parques de Nova Iorque. O movimento tem se espalhado mundo afora através de um esforço deles.

No vídeo abaixo produzido pela Universidade de Columbia, com apoio da Fundação Lemann, e que traduzimos para você – clique em CC no barra inferior do vídeo para legendas em português -, mostra que não é de um dia para o outro que se une a sociedade em busca da transformação do que é público. A história e vídeo inspirou nossos voluntários a seguir dando o máximo de si e construindo um trabalho cidadão de transformar o Ibirapuera e fomentar o cuidado e criação de mais espaços verdes públicos país afora.

O trabalho pela profissionalização da sociedade civil organizada

O PIC sempre foi independente, e desde sua instituição, seu trabalho era fruto de desdobramentos de esforços comunitários no aprimoramento da governança no parque e de um trabalho pelo estabelecimento de um Plano Diretor e de um Plano de Investimentos em Melhorias (Capital Improvement Plan) para as áreas públicas do Ibirapuera, coeso e com condução pública para facilitar a participação das pessoas que buscam melhorias contínuas e querem colaborar para áreas verdes, públicas e abertas de qualidade. O PIC seguia prioridades e disponibilidades internas, ou seja, o interesse de investimento dos amigos do parque dentro de uma análise das necessidades públicas. Mas sempre insistiu que era necessário ter uma priorização melhorada e detalhada por parte do poder público das necessidades de cada espaço. Só assim a sociedade civil seria mais eficaz no auxilio ao cuidado.

A partir desta leitura das necessidades do parque, o PIC iniciava a mobilização, elaboração e trâmite de ações e propostas de melhorias nos órgãos competentes, para transformar com legitimidade e responsabilidade as pessoas e espaços, engajando todos em ações e projetos de cuidado das áreas verdes e públicas. Tudo sempre feito por quem ama, frequenta e acredita no poder transformador da sociedade civil organizada. Leia mais sobre a história do PIC aqui.

Graças à generosidade de inúmeros indivíduos, empresas e institutos, o PIC chegou a investir centenas de milhares de reais em horas voluntárias equivalentes, ou seja, o esforço de cada hora suada dos voluntários era valorada segundo modelo de contabilidade do terceiro setor. E, aos poucos, suas atividades e projetos foram se consolidando como um modelo de organização de suporte e cuidado de parques e áreas urbanas no Brasil. O PIC nunca recebeu qualquer repasse municipal e todos frequentadores sempre foram bem vindos a fortalecer o modelo como amigos do parque.

A dissolução do PIC como organização da sociedade civil

Em março de 2020, os associados do PIC não encontraram mais motivação ou outros interessados em dar continuidade no trabalho profissional da organização. A prefeitura concessionou uma extensa área do parque para exploração comercial, por 35 anos, e, no contrato assinado em dezembro de 2019 entre concessionária e prefeitura, muitos investimentos serão feitos e conduzidos por ela. Logo, o PIC que já nos últimos anos fora impedido pela prefeitura de investir em outras restaurações no parque, tudo passou a fazer parte de uma nova concessão, focou em atuar mais na defesa pela integridade da elaboração do plano diretor, capaz de defender o parque como um lugar verde e de contemplação, fiel à sua história, como na condução de seminários com especialistas em parques, confeccionando materiais instrutivos e mapas para promover o conhecimento e consequentemente a conservação das áreas do Ibirapuera. A conduta da prefeitura foi questionada em uma representação do PIC ao Ministério Público no começo de 2019, resultando em um inquérito e investigação, mas que infelizmente com o avanço da concessão perdeu a força e não fora concluído com a atenção que devia.

Os investimentos feitos pelo PIC no parque ficaram no parque, assim como todo o mobiliário usado no parque foi doado ao município. A organização, já enxuta, liquidou o que lhe restava, e após pagar as despesas de liquidação, doou o remanescente para organizações com trabalho reconhecido pelos associados do PIC e com semelhança à finalidade do PIC.

O que é hoje o PIC

Nada. A associação PIC acabou, foi completamente dissolvida em 2020, dando espaço para movimentos difusos renascerem, cada qual no seu ângulo de cuidado dos parques e ambientes. Ainda que difusos, sem poder de entrega, recursos ou qualquer tipo de governança ou organização comum, há a esperança de que a essência da visão de que é “é conhecendo que cuidamos” siga de alguma forma e a consciência da importância da defesa e cuidado dos espaços verdes, públicos e abertos permaneça como busca esta iniciativa do arquivo.