As cidades globais, na nossa era, perderam a consciência da importância dos ecossistemas naturais para a produção de alimentos, regulação da atmosfera e do clima, purificação da água, fornecimento de matérias-primas, proteção contra pragas, doenças e condições meteorológicas extremas, e, enfim, para o estímulo e a realização cultural, espiritual e intelectual, que incide positivamente na nossa saúde.
Isso produz grandes impactos recorrentes, como perda na qualidade de vida e da biodiversidade; diminuição da qualidade do ar, das águas, dos solos e dos habitats; enchentes, deslizamentos, estresse humano, animal e ambiental; engarrafamentos, perda de eficiência do sistema urbano e alto consumo de materiais, tempo e energia. São Paulo lidera esse cenário negativo pela sua dimensão e pelas politicas focadas no automóvel e no imobiliário.
Nesses dias, em Barcelona, está acontecendo o Segundo Congresso Internacional de Paisagem Urbana. O primeiro foi realizado em São Paulo em 2015. Nele, desenvolvem-se objetivos da agenda urbana surgida no Congresso de Habitat III. Os desafios são grandes: reconhecer a paisagem, a partir de uma perspectiva holística e integradora, não só os espaços mais relevantes; tornar a paisagem urbana um dos focos na agenda da ONU; promover a paisagem como centro das políticas públicas, especialmente as municipais; fomentar a participação pública através de processos informativos, de plataformas digitais, de redes sociais e de ferramentas que permitam conhecer o desenvolvimento da estrutura urbana; difundir a ideia de que a cidade é dos cidadãos, e não dos carros – e , portanto, difundir os valores da ética, da beleza, da percepção, em oposição às cidades pensadas para carros ou exclusivamente a partir conceitos de produtividade e exploração dos recursos.
Decididamente, o congresso que acontece esses dias em Barcelona quer passar do pensamento à ação; reconhecer e apoiar o papel da sociedade civil e dos incentivos privados (coprodução urbana); procurar um argumento que nos permita chegar aos governos, focalizar na paisagem urbana, na pele das cidades, no cotidiano do nosso ambiente, como objeto de nossos desvelos.
Assim, deveríamos colocar a “infraestrutura verde” em foco, recuperando a natureza (elementos, processos e ecossistemas) para nossas vidas e para nossos entornos e ambientes imediatos. Muitas definições de Infraestrutura verde já foram desenvolvidas. Por isso, é difícil cobrir todos os aspectos em uma só. Para os redatores do Projeto da Infraestrutura Verde (IV) da Austrália Meridional[1], a
“infraestrutura verde está formada pela rede de espaços verdes e azuis (sistemas naturais e artificiais das águas), que proporcionam múltiplos valores e benefícios ambientais, econômicos e sociais, chamados de serviços ecológicos”.
Os benefícios acontecem nos assentamentos urbanos e também no âmbito rural. Ela nos ajuda a compreender e usufruir o valor dos benefícios que a natureza fornece para a sociedade humana; e também para mobilizar investimentos para mantê-los e melhorá-los.
A infraestrutura verde inclui parques e reservas naturais, quintais e jardins, vias navegáveis e zonas húmidas; vias, ruas e corredores de transporte, verdes ou ecológicos; alamedas, terreiros, praças e adros verdes; coberturas verdes, jardins verticais e muros vivos; campos esportivos, ruas arborizadas e cemitérios[2]. Em síntese, podemos dizer que
“a infraestrutura verde é uma ferramenta, instrumento ou modelo que fornece benefícios ecológicos, econômicos e sociais através de elementos e soluções naturais” (Herzog, 2011).
A infraestrutura verde pode prestar serviços como a manutenção do ar puro, o controle da temperatura e a atenuação do efeito local de «ilha térmica». Ela pode gerar um número maior de áreas de lazer, melhorar a proteção contra inundações, fomentar a retenção da água da chuva, a prevenção das enchentes – manutendo os níveis das águas subterrâneas. Ela contribui para a restauração ou interrupção da perda de biodiversidade, para a moderação das condições climáticas extremas e dos seus impactos, além de melhorar a saúde dos cidadãos e a qualidade de vida em geral, disponibilizando inclusive áreas acessíveis e de baixo custo para a atividade física. A infraestrutura verde, com seus serviços ecológicos, destaca a relação entre a natureza e seus processos com a saúde pública, e considera que o investimento na paisagem urbana também é um investimento na saúde pública. Por isso, no 2º Congresso Internacional da Paisagem Urbana, reivindicamos com firmeza que a Infraestrutura Verde se torne um paradigma de intervenção na cidade do século XXI.
Notas:
[1] The Green Infrastructure Project is a partnership between Department of Environment, Water and Natural Resources; Department of Planning, Transport and Infrastructure; Botanic Gardens of South Australia; Natural Resources, Adelaide and Mount Lofty Ranges; and Renewal SA.
[2] Secretaria de Meio Ambiente, Água e Recursos Naturais; Departamento de Planejamento, Transportes e Infraestrutura; Jardim Botânico da Austrália Meridional; Recursos Naturais, Adelaide e Monte Lofty Ranges; e Renovação SA, 2016