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Passeio com música no parque VIII

por Roberto Carvalho de Magalhães

Pode haver algo em comun entre um parque e uma sinfonia? Na década de 1950, quando o Parque Ibirapuera surgiu, o compositor Francisco Mignone compôs a sua Sinfonia Tropical. Uma visita ao parque ao som dessa composição pode ser uma experiência entusiasmante.

Concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo no Ibirapuera, 2012 (Foto: http://www.auditorioibirapuera.com.br/)

Concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo no Parque Ibirapuera, 2012 (Foto: http://www.auditorioibirapuera.com.br/)

O escritor Mário de Andrade, genial autor de Macunaíma e principal mente do movimento modernista brasileiro, sustentava que, para criar uma literatura verdadeiramente significativa, original e universal, o Brasil tinha que olhar para si próprio, para os recursos da própria língua e para a sua rica e vária cultura popular. Com isso, não entendia uma cópia submissa do folclore, mas o estudo e compreensão da sua estrutura como fonte de ideias para a criação, que se misturaria a todas as outras dimensões – inclusive as matrizes europeias – da complexa estrutura social do país. Foi assim que nasceu Macunaíma. E foi dessa forma que nasceu, também, Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Duas entre as maiores obras da literatura brasileira.

Mário de Andrade não foi somente escritor, mas também músico, musicólogo e crítico musical. Entre outras coisas, foi professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde o futuro compositor Francisco Mignone estudaria piano, flauta e composição a partir de 1913. Com toda probabilidade, foi nessa instituição que os dois se conheceram. Sem dúvida alguma, as ideias de Mário de Andrade tiveram grande impacto sobre o compositor quatro anos mais jovem – assim como sobre Camargo Guarnieri e muitos outros.

Foto: Mário de Andrade (sentado ao centro) entre alunos do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, s.d..

Foto: Mário de Andrade (sentado ao centro) entre alunos do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, s.d..

A Sinfonia Tropical de Francisco Mignone, escrita em 1958, reflete essas ideias. O seu movimento único começa com um tema melódico e rítmico de inspiração nordestina, que é retomado várias vezes no decorrer da sinfonia. Ele é o elemento de coesão da obra. A forma sinfônica é tratada com grande liberdade e a orquestração tem um colorido rico e denso, que dá grande voz a todas as seções de instrumentos.

Foto: Francisco Mignone em uma fotografia de 1944 com dedicatória e LP de 1969 gravado pelo próprio compositor ao piano.

Foto: Francisco Mignone em uma fotografia de 1944 com dedicatória e LP de 1969 gravado pelo próprio compositor ao piano.

Na sua obra, Francisco Mignone não deixa de citar, de forma evidente ou camuflada, três obras de Igor Stravinsky: Petruska, A sagração da primavera e O pássaro de fogo. Como aquele que abriu o caminho, na música erudita, para os ritmos frenéticos e para a expressão de sensações telúricas, Stravinsky era, desde o jovem Villa-Lobos, uma referência para os compositores brasileiros modernos, pois os ajudava a se libertar dos esquemas da música europeia, para abraçar ritmos e timbres nacionais.

Se, por “tropical”, entendermos “exuberante”, é isso o que essa sinfonia é: exuberante, luxuriante e colorida como a fauna e a flora dos trópicos. Podemos vê-la como um prolífico jardim sonoro. Assim, dois jardins nasceram na década de 1950: o Parque Ibirapuera, de Oscar Niemeyer, e a Sinfonia Tropical, de Francisco Mignone. Por esse motivo a escolhemos para um passeio com música no parque.

Você pode ouvi-la aqui, na gravação da Orquestra Sinfônica Brasileira, com o próprio compositor na regência.

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