Início » Arquivo com artigos resgatados » História do Parque Chácara do Jockey: um resgate necessário (II)

História do Parque Chácara do Jockey: um resgate necessário (II)

por Renê Costa

 ARGUMENTAÇÃO LEGAL CONTRA O EDITAL DE CONCESSÃO DO PARQUE

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) define as diretrizes para a política de conservação do meio ambiente, e declara em seu artigo 225 que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988, p. 23).

Dentre outras disposições, o artigo supramencionado declara a Mata Atlântica e outros biomas como patrimônio nacional.

A Lei federal nº 6.938/1981 apresenta as diretrizes e as bases da Política Nacional de Meio Ambiente e estabelece como objetivo:

… a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.

Ela define os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, tais como os padrões de qualidade ambiental, zoneamento ambiental, Avaliação de Impacto Ambiental, Estudo de Impacto Ambiental, Relatório de Impacto do Meio Ambiente, e o licenciamento ambiental.

Parque Chácara do Jockey na trama urbana de São Paulo. Fonte: ArchDaily.

O plano diretor estratégico (lei 16050/14), na dimensão das relações e complementações da Política Nacional de Meio Ambiental em nível municipal, fornece instrumentos de planejamento, que contemplam diagnósticos e ações voltadas à conservação ambiental e uso sustentável de recursos naturais, com atenção especial às áreas geologicamente frágeis e à proteção da vegetação e dos recursos hídricos.

Em consonância com a PNMA, o PDE institui (artigo 69) o zoneamento ambiental como instrumento da gestão ambiental ao criar as Zonas Especiais de Proteção Ambiental ZEPAMs. A Lei define as Zonas Especiais de Proteção Ambiental (ZEPAM) como:

… porções do território do Município destinadas à preservação e proteção do patrimônio ambiental, que têm como principais atributos remanescentes de Mata Atlântica e outras formações de vegetação nativa, arborização de relevância ambiental, vegetação significativa, alto índice de permeabilidade e existência de nascentes, entre outros que prestam relevantes serviços ambientais, entre os quais a conservação da biodiversidade, controle de processos erosivos e de inundação, produção de água e regulação microclimática. As Zonas Especiais de Proteção Ambiental – ZEPAM também poderão ser demarcadas em razão: I – da ocorrência de formações geomorfológicas de interesse ambiental como planícies aluviais, anfiteatros e vales encaixados associados às cabeceiras de drenagem e outras ocorrências de fragilidade geológica e geotécnica assinaladas na Carta Geotécnica do MSP; II – do interesse da municipalidade na criação de Áreas Verdes Públicas.

As ZEPAMs são áreas que prestam importantes serviços socioambientais, dentre as quais a conservação da biodiversidade, o controle das enchentes, a produção de água e a regulação microclimática. Todos os parques urbanos se tornaram automaticamente ZEPAM.

As áreas com função de conservação e que cumprem serviços socioambientais são tratadas como sistema pelo PDE, formando o Sistema Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (SAPAVEL). No PDE, os Parques Urbanos “são componentes do Sistema Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres” (Art. 266). O artigo 274, ao relatar que os Parques Urbanos integram o SAPAVEL, reforça essa condição. O Artigo 267 estabelece como objetivos do SAPAVEL:

Quadra do Parque Chácara do Jockey. Foto: Renato Mancini.

I – proteção da biodiversidade; II – conservação das áreas prestadoras de serviços ambientais; III – proteção e recuperação dos remanescentes de Mata Atlântica; IV – qualificação das áreas verdes públicas; V – incentivo à conservação das áreas verdes de propriedade particular; VI – conservação e recuperação dos corredores ecológicos na escala municipal e metropolitana; VII – cumprimento das disposições do Sistema Nacional de Unidades de Conservação”.

O artigo 275 estabelece parâmetros urbanísticos de ocupação das áreas prestadoras de serviços ambientais, para fazer cumprir a conservação da permeabilidade.

Dentre as diretrizes (artigo 268), todas importantes, ressalta-se a perspectiva integrada e sistêmica das ações de recuperação e conservação ambiental, superando a fragmentação. Destaca-se:

I-ampliar a oferta de áreas verdes públicas; II – recuperar os espaços livres e as áreas verdes degradadas, incluindo solos e cobertura vegetal; III – recuperar áreas de preservação permanente; IV – implantar ações de recuperação ambiental e de ampliação de áreas permeáveis e vegetadas nas áreas de fundos de vale e em cabeceiras de drenagem e planícies aluviais indicadas na Carta Geotécnica, em consonância com o Programa de Recuperação de Fundos de Vale; V – promover interligações entre os espaços livres e áreas verdes de importância ambiental regional, integrando-os através de caminhos verdes e arborização urbana; VI – compatibilizar, nas áreas integrantes do sistema, os usos das áreas verdes com a conservação ambiental; XVIII – priorizar o uso de espécies nativas e úteis à avifauna na arborização urbana; XIX – aprimorar a gestão participativa das Unidades de Conservação e dos Parques Urbanos e Lineares; XX – compatibilizar a proteção e recuperação das áreas verdes com o desenvolvimento socioambiental e com as atividades econômicas, especialmente as de utilidade pública.

Conforme exposto, o Parque Municipal Chácara do Jockey, por integrar o SAPAVEL, ser uma ZEPAM e comportar bosque de Mata Atlântica (mapeado no Plano Municipal de Mata Atlântica) está configurada como relevante área de proteção ambiental no município, e resguardada de qualquer intervenção degradadora dos seus recursos naturais. Desta forma, intervenções que possam alterar o seu meio ambiente, colocando em risco ou desvirtuando a sua função, são consideradas potencialmente degradadoras, necessitando da Avaliação de Impacto Ambiental (previsto nas resoluções CONAMA 01/86 e 237/97 e CONSEMA 01/14) para o seu licenciamento. Essas resoluções ressaltam:

Parque Chácara do Jockey. Fonte:  Áreas Verdes da Cidade.

CONAMA 237/97Art. 2º- A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental (grifo nosso), dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis

Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento

Art. 6º – Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.

Art. 3º- A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetivas ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

CONSEMA 01/14 “Compete ao Município o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades executados no âmbito do seu território que causem ou possam causar impacto ambiental local, conforme tipologia definida no anexo I desta deliberação”. MÉDIO IMPACTO AMBIENTAL LOCAL 1. 2. Empreendimentos e atividades constantes do Anexo I, item I, “3a”, que tenham capacidade máxima superior a 2.000 e igual ou inferior a 5.000 pessoas por dia…

Em relação aos Parques Urbanos, o Plano Diretor Estratégico coloca em primeiro plano a sua função socioambiental, voltada a conservação e a prestação de serviços ambientais. Dão a mesma dimensão das Áreas de Proteção Ambiental protegidas pela legislação. Nessa perspectiva, o projeto original do Parque Chácara do Jockeyi foi elaborado e executado sob a luz dessa dimensão, respeitando os preceitos legais, sobretudo aqueles relacionados a conservação dos serviços ambientais e a participação da população na sua elaboração. No processo de implantação do Parque, o espaço das baías, por exemplo, recebeu melhorias e manutenção como contrapartida para a instalação do Polo Cultural, conforme o Art. 276 (“Nas áreas verdes públicas, excepcionalmente, a critério do Executivo, poderão ser instalados equipamentos públicos sociais desde que atendidos os parâmetros estabelecidos nesta lei e, como contrapartida, sejam realizadas melhorias e a manutenção destas áreas”). E assim foi para as intervenções no seu todo.

Campos do Parque Chácara do Jockey. Foto: Renato Mancini.

Quando observamos o Edital de concessão do Parque, verificamos que as intervenções propostas, como Shows, implantação de estacionamento e novas edificações e intervenções, muitas sem especificações, além de apresentarem um caráter comercial, consumista e potencialmente degradador vão de encontro e conflitam com o projeto original e todo o processo vivenciado na sua implantação, que tem como princípio a participação e a sustentabilidade.

Além do que, a superficialidade do Edital, frente a dimensão e a importância socioambiental do equipamento, estão explicitados em várias passagens do mesmo. A apresentação sobre Fauna e Flora do anexo “concorrência internacional”, apresenta o seguinte dado:

Possui 41 espécies de fauna registradas, sendo 4 espécies de borboletas e 35 de aves. 5 Em relação à sua flora, o PARQUE apresenta vegetação composta por bosques heterogêneos e arborização esparsa”.

Esses dados, que se restringem ao fornecimento do número de espécies de aves e borboletas e na classificação das tipologias de vegetação, são insuficientes para caracterizar as unidades paisagísticas da área, bem como o funcionamento e os serviços socioambientais prestados pelas mesmas. Somente um estudo de avaliação ambiental, conforme o que estabelece a resoluções 01/1986 e 237/97 do CONAMA, será capaz de definir a importância socioambiental e um plano de manejo da área, dando a importância e a dimensão que o equipamento exige.

O artigo 2º (resolução 01/86) prevê o Estudo de Impacto ambiental e Relatório de Impacto Ambiental para o licenciamento “em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério… dos órgãos municipais e estaduais competentes. A resolução CONAMA nº369/2006, reforça esse aspecto ao considerar área verde de domínio público “espaço de domínio público que desempenhe função ecológica, paisagística e recreativa, propiciando a melhoria da qualidade estética, funcional e ambiental da cidade, sendo dotado de vegetação e espaços livres de impermeabilização”.

Por fim, buscamos demonstrar que somente com um plano diretor do Parque, transparente e detalhado, podemos definir edificações, equipamentos e usos em consonância com a sustentabilidade, garantindo, assim  uma concessão em observância com a função de Parque. Esse plano diretor, até agora inexistente e sem o qual todo e qualquer projeto de concessão é irresponsável, deve recuperar o projeto original, seus princípios, objetivos e desenho, e abordar o diagnóstico ambiental da área, aprofundando  a completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, para, assim, caracterizar a área do Parque, a partir dos meios físico, biológico e social.

Talvez também lhe interesse ler