Certa vez, quando morava em Florença, Itália, perguntando a um brasileiro de passagem qual era a sua impressão da cidade, ouvi a seguinte, surpreendente resposta: “Não gostei. As ruas são estreitas demais. Falta arranha-céu aqui”.
Fiquei literalmente sem palavras. Na cidade com uma das maiores concentrações de história, arte e arquitetura do mundo, o indivíduo sentiu falta dos arranha-céus. Não ficou boquiaberto diante da cúpula do Brunelleschi ou das obras do renascimento florentino nas salas da Galleria degli Uffizi; não babou diante da fachada de Santa Maria Novella e não teve a síndrome de Stendhal ao visitar a chiesa di Santa Croce; não ficou tonto diante do Davi de Michelangelo na Galleria dell’Accademia ou diante do Palazzo Vecchio na Piazza della Signoria; não se enterneceu ao atravessar o Pontevecchio ou ao descer o Viottolone dei Cipressi do Jardim de Boboli… Mas sentiu falta dos arranha-céus.
Isso é o que eu chamo de ocasião desperdiçada. Uma cidade especial em tudo, que oferece uma miríade de experiências e, sobretudo, a oportunidade do dépaysement, da mudança, da aventura de sair de si próprio e experimentar outra dimensão existencial, e o indivíduo lamenta a falta daquilo que já tem em casa em abundância… Suspeito que pegou o avião errado e que deveria ter ido a New York ou Hong Kong.
Quando leio os comentários de alguns seguidores da página Facebook do PIC/Parque Ibirapuera Conservação, em que expressam o desejo de ver mais estacionamento, mais restaurantes, mais “entretenimento”, roda gigante, pista de skate, telão para eventos esportivos e o escambau a quatro, tenho a mesma reação que a descrita acima diante do infeliz que queria ver arranha-céus em Florença. Pegaram o ônibus errado e desceram no Ibira, ao invés do Shopping Eldorado ou do Playcenter Family.
O Parque Ibirapuera assim como é oferece um bilhão de oportunidades: museus, a Bienal, o Planetário, circuitos para caminhada e corrida e uma ciclovia, quadras esportivas, um auditório que promove shows e concertos fechados e ao ar livre e, sobretudo, algo muito difícil de se encontrar em São Paulo: uma cobertura arbórea excepcional e um refúgio natural para mais de cem espécies de aves. Ele oferece um oásis de tranquilidade e de contato com a natureza numa cidade barulhenta, frenética e pouco acolhedora nas suas vias públicas.
Não só. Tudo isso se consubstanciou pelas mãos de um gênio da arquitetura moderna, Oscar Niemeyer, e carrega em si parte da história e da identidade da cidade de São Paulo.
Quando vejo, no edital de concessão, que tudo isso pode ser adulterado por uma vulgar visão mercantilista do parque e por um comportamento cego de certos frequentadores, que pedem ao parque que não seja um parque e sim mais um shopping center, um playcenter, uma praça de alimentação a céu aberto – e shopping centers, restaurantes e fast food não é o que falta na cidade; quando constato a ausência de um plano diretor que proteja com firmeza esse patrimônio histórico, arquitetônico, paisagístico e natural, da miopia administrativa e de quem, por ser incapaz de aceitar a existência óbvia de um parque por aquilo que ele é e deve ser, queira vê-lo entulhado de merchandising e atividades que não lhe são pertinentes; bom, nessas horas, me lembro do indivíduo que, por não saber se relacionar com o que não conhecia, queria ver “arranha-céus em Florença”…