Todo mundo, ainda que não saiba, tem o seu lugar preferido. O seu lugar preferido no mundo todo, como costumo dizer. O meu, sem a menor sombra de dúvidas, se chama Ibirapuera. Desde a primeira vez que visitei o parque, ainda criança, fiquei encantada com toda imensidão e beleza diante dos meus olhos.
Existe um momento na vida da gente em que, mesmo sem perceber, decidimos as coisas que serão sempre uma parte importante da nossa vida. Naquela tarde distante, no início dos anos 80, em que passei umas poucas horas correndo pelo parque, declarei que aquele era o meu canto favorito do mundo. Eu devia ter uns 12 anos. Logo depois fui embora para longe.
Anos mais tarde, eu estava de volta. Vim a passeio, mas quando reencontrei o meu paraíso particular, já não podia mais viver sem ele. Voltei de vez! Voltei pra ficar (ao menos é isso que eu imagino). E não bastava mais morar na mesma cidade e frequentá-lo de vez em quando. Eu precisava vivê-lo, precisava respirá-lo e estar aqui sempre que quisesse. Há treze anos moro ao lado do parque, que chamo de meu quintal.
Quase todas as manhãs, quando o dia começa despontar, eu calço meu tênis e é lá que saúdo o novo dia. É para lá que corro sempre que acontece algo comigo. Qualquer coisa! É entre as suas generosas e frondosas árvores e o barulho dos pássaros que enxugo as minhas lágrimas, agradeço as felicidades, curo minhas dores e me sinto viva.
Foi para lá que eu corri imediatamente quando apareceu um nódulo no meu seio esquerdo e eu nem sabia ainda o que era. Foi para o Ibirapuera que eu contei primeiro o meu maior temor naquele momento.
Dias depois, já com o diagnóstico de “carcinoma ductal invasivo”, eu corria novamente para o meu bosque. E olhando aquele verde intenso, a cor mais linda que já vi, eu chorei alto o meu choro mais dolorido. Em seguida, decidi que queria continuar viva, que queria continuar levando meu filho todas as tardes, para que ele continuasse crescendo nesse lugar.
O Ibirinha, como carinhosamente Tomás e eu o chamamos, me acolheu, como sempre. Muitas vezes, eu entrei nas suas trilhas já despedaçada, com o coração apertado; e, enquanto corria, ia me refazendo, me consertando, me remendando e curando. Com o câncer não foi diferente.
Quando você recebe um diagnóstico complicado desses, é impossível não pensar na efemeridade da sua existência. Quando encarei de frente o fato de que não viverei eternamente e fiz o meu balanço interno, sendo o mais honesta possível comigo mesma, surpreendentemente descobri que poucas coisas ainda me prendem a esse mundo. Eu partiria com saudades de muitos amigos, familiares e pessoas queridas. Muitas mesmo, mas eu estaria pronta para dizer até logo a todos eles – porque eu realmente acredito em um até logo. Mas não poderia ainda dizer isso ao meu marido e meus filhos. E, quando pensei no que mais me faria falta nesse mundo, em todos os lugares onde já estive, onde fui feliz e gosto, de todos eles o único lugar que me fez chorar, por ter que deixá-lo, foi o Parque Ibirapuera.
Desde que voltei a morar em São Paulo e viver ao lado do parque, todos os grandes acontecimentos da minha vida passaram a ter uma relação direta com ele. Depois de sonhar tantos anos com o amor da minha vida, foi ali, no gramado do laguinho, que percebi o quanto estava apaixonada – pela pessoa mais incrível que eu já havia conhecido. Naquele dia, realizei o desejo que guardava há muito tempo de ter um dia inteiro perfeito: com o céu azul sem nenhuma nuvem, a grama verde numa tarde quente. Foi olhando as carpas no jardim japonês, que há dez anos Diego me pediu em casamento. E foi lá, no Ibira, que eu disse o melhor e mais importante “sim” de toda a minha vida.
No mesmo lugar onde chorei a morte do meu avô e me curo da dor da sua ausência, cinco anos depois, nas mesmas trilhas, me mantive saudável, durante toda a gestação do Tomás. O Parque foi o primeiro lugar onde eu levei o meu filho, recém nascido, para passear. Ele tinha apenas 15 dias. E ali ele mamou no meu seio, aprendeu a engatinhar, a caminhar, correr, andar de bicicleta e aprenderá a patinar em breve. É onde ele vive as suas aventuras e fantasias mais incríveis. Ele está crescendo, tendo a floresta encantada como testemunha. Ele só tem cinco anos, mas já ama o parque tanto quanto eu.
Todas as tardes livres em que eu pergunto ao Tomás o que ele quer fazer, a sua única e certeira resposta é: “eu quero ir no Ibirinha!”. Isso me enche de orgulho e felicidade. O Ibirapuera não é apenas um lugar para nós. Ele é o nosso quintal. É onde o meu filho, apesar de morar em apartamento, numa cidade grande, pode correr livre, tomar banho de chuva, colher frutas no pé, subir em árvores, conhecer pássaros, ver animaizinhos e ter a mesma liberdade que eu tinha na minha infância vivendo numa cidadezinha com menos de dez mil habitantes.
Tomás é uma das crianças mais felizes que eu já conheci. Tenho certeza de que esse pedacinho de chão é o responsável por isso. Ele é dono das tardes mais perfeitas que uma criança poderia ter. Seja com amigos ou sozinho, ele sempre volta, sujo, cansado e intensamente feliz para casa. E eu sei que ele está criando as melhores lembranças que terá na vida.
O mais impressionante é que nós nos sentimentos completamente retribuídos nesse amor – em cada sombra de árvore num dia quente, em cada brisa fresca que sopra do lago e em cada folha seca caída no chão.
Eu tenho o privilégio imenso de poder escrever e falar sobre isso na “Revista do Ibirapuera”. Até isso consegui juntar: o meu lugar preferido no mundo com o que eu mais gosto de fazer nessa vida: escrever. É uma troca intensa de amor. O Ibirapuera se tornou o meu lar e da minha família.
Eu não sei o que o futuro me reserva. Talvez eu precise, um dia, dizer até breve a este meu lugar tão querido. Mas, certamente, um pedaço grande do meu coração vai sentir muito. Vai doer demais esse “até logo!” Quando penso em quantas coisas já vivi nesse lugar e em quantas coisas ainda quero viver, uma vida inteira parece tão pouco! Eu quero envelhecer e continuar a caminhar ao lado do meu filho e marido por entre essas árvores e trilhas. Quero poder apresentá-lo a tanta gente ainda, continuar descobrindo coisas novas a cada dia e poder um dia ver meus netos redescobrindo tudo de novo.
Enquanto eu me curava do câncer, o Ibira também me curava e muitas outras coisas. Era onde eu me desesperava e me refazia. Era o único lugar onde eu me sentia a salvo nos piores dias. Era onde recobrava minhas forças durante a quimioterapia e recarregava as baterias para mais um ciclo. Talvez eu não tivesse me restabelecido tão bem, a cada ciclo, sem esse oásis por perto. Eu ainda estou me recuperando da jornada. É por entre os seus caminhos que eu me silencio e escuto a minha voz interior, onde me encho de coragem e esperança para continuar.
Gratidão é tudo o que define o meu sentimento ao Ibirapuera nesse instante. E espero que todas as pessoas, que um dia estiverem à frente desse lugar, saibam que ele é muito mais que um lugar onde se pode lucrar. Ele simplesmente é a razão de viver de muitas pessoas. Então, espero que cuidem bem, preservem-no e não o tratem como apenas mais um meio de se fazer dinheiro. O Ibira é o lugar onde quero estar por toda eternidade quando as minhas cinzas forem tudo o que restar de mim.