Eis um exemplo feliz da atuação de uma organização comunitária de voluntários – bem recebida pela administração pública – na recuperação, melhoria e manutenção de um parque. O exemplo vem dos Estados Unidos e deveria ser examinado com carinho por todos os responsáveis por parques públicos urbanos no Brasil.
Muitas vezes, os parques públicos urbanos, que deveriam ser oásis verdes e refúgios onde usuários, natureza e histόria podem conviver agradavelmente e longe do estresse das ruas, acabam sendo vítimas dos mesmos problemas que encontramos em uma rua qualquer: aridez, sujeira, poluição, barulho, aglomeração, falta de segurança e conflitos. Isso acontece quando a sua administração não consegue dar respostas adequadas para os problemas prementes. Mas a administração de um grande parque urbano, com todos os problemas que o afligem – do vandalismo às constantes ameaças de destruição do verde por eventos naturais ou provocada pelos prόprios usuários, da falta de recursos à necessidade constante de se renovar os equipamentos –, pode resolver tudo sozinha? Este artigo traz um exemplo de parceria feliz entre a administração pública e uma organização comunitária para tirar um parque da situação de ruína em que tinha caído.
Elizabeth Park, o parque príncipe do sistema de parques públicos de Hartford, capital do estado de Connecticut (EUA), foi aberto ao público em 1897. Ocupa cerca de meio quilômetro quadrado, dos quais 80% se encontram em West Hartford e os restantes 20% em Hartford. Ele está no Registro Nacional de Lugares Histόricos, o que equivale ao nosso tombamento pelo Iphan.
Um dos seus motivos de orgulho é ter dado vida ao primeiro jardim público de rosas dos Estados Unidos. Projetado por Theodore Wirth – um suíço que, antes de emigrar para os EUA, tinha trabalhado como florista e paisagista em Zurique, Londres e Paris – e inaugurado em 1904, o jardim conta hoje com cerca de 10.000 m², 475 canteiros e mais de 15.000 arbustos e arcos de rosas. Com o passar do tempo, às rosas somaram-se um jardim de plantas perenes, um jardim rochoso e de sombra, um jardim anual de tulipas e um pequeno jardim dedicado às rosas mais antigas – com algumas que remontam a antes de 1867!
O parque também conta com um jardim hortícola, mantido por diferentes sociedades hortobotânicas, entre as quais a Unidade de Connecticut da Sociedade Americana de Ervas, que organiza e mantém um jardim tradicional de ervas. Além disso, o parque tem amplas áreas de lazer gramadas e arborizadas – seja com espécies nativas ou importadas –, um lago e pequenos jardins aqui e ali, como o canteiro das hostas, uma planta ornamental proveniente do Extremo Oriente muito resistente, que se adapta bem à sombra.
Em meados dos anos de 1970, porém, o esplêndido jardim de rosas do Elizabeth Park encontrava-se em total ruína e correu o risco de desaparecer, pois a Cidade de Hartford não tinha o dinheiro necessário para recuperá-lo. Foi então que, em 1977, um pequeno grupo de vizinhos do parque – de West Hartford e Hartford – criou os Amigos do Parque Elizabeth, com o objetivo de salvar o histόrico jardim de rosas da destruição quase certa. Em 2012, depois de 35 anos contribuindo com a preservação, manutenção, restauração e proteção, não sό do jardim de rosas, mas de todas as outras áreas e edifícios, a organização mudou o seu nome para Elizabeth Park Conservancy.
O Elizabeth Park Conservancy, uma organização civil sem fins de lucro, recruta e orienta centenas de voluntários para trabalhar nos jardins e áreas verdes do parque, além de contratar especialistas, empreiteiros e jardineiros. Trata-se se uma parceria entre o poder público e um grupo comunitário baseado nas doações e no voluntariado, para garantir a manutenção dos jardins específicos e das áreas verdes em geral, a restauração dos edifícios e equipamentos e, enfim, a organização de eventos para o público.
É, sem dúvida, um exemplo bem sucedido de colaboração entre a prefeitura e um grupo comunitário. Nessa parceria, a Cidade de Hartford estabelece as fronteiras dentro das quais a Conservancy atua no parque, o que prevê, neste caso, como já mencionado anteriormente, o cuidado dos jardins, a utilização de voluntários, especialistas e empreiteiras, assim como a organização de atividades para os usuários e a gestão do Pond House Café, o restaurante interno do Elizabeth Park.
No dia em que tirei as fotografias presentes neste artigo, um grupo de funcionários “emprestados” por Voya, uma companhia de seguros e serviços financeiros, estava trabalhando na manutenção de uma série de canteiros do jardim de rosas – orientados, naturalmente, por especialistas. Essa é uma forma de voluntariado empresarial: a empresa cede um grupo de funcionários interessados em voluntariar. Assim, os funcionários realizam uma ação de utilidade pública durante o expediente de trabalho, sem prejuízo para o seu salário e para o seu tempo livre. Essa é também uma forma de levar as pessoas a entenderem o quanto complexa é a manutenção de um parque e a apreciarem o trabalho de horticultura. Desperta-se, assim, o sentimento de respeito pelos parques e pelo meio ambiente. São, portanto, ações educativas e de cuidado concreto do patrimônio da comunidade, do bem público.
- Para ler mais sobre o Elizabeth Park e o Elizabeth Park Conservancy, clique aqui.
- Se quiser descobrir algumas árvores do Elizabeth Park, assista ao vídeo de um passeio guiado pelo especialista Edward A. Richardson (em inglês).
O poder público não consegue – e muitas vezes não tem a competência para – dar conta de tudo. Muitas vezes, recursos que deveriam ser utilizados na proteção, manutenção e incremento do verde, são desviados para resolver problemas prementes de segurança. Melhorias nos equipamentos são adiadas para se concentrar recursos na limpeza depois das invasões dos fins de semana. Negligencia-se a sinalização e a imposição do regulamento por falta de recursos, com o consequente escasso treinamento do pessoal. Além disso, os parques urbanos são alvo frequente de vandalismo – a começar do estacionamento de carros em áreas não autorizadas, às pichações e à destruição de sanitários e pias nos banheiros.
Não é fácil lidar com tudo isso. Os grandes parques urbanos que têm tido sucesso na solução de todos esses problemas são exatamente os que aceitaram – e mesmo procuraram – a parceria com organizações comunitárias. Assim fazendo, puderam se concentrar em alguns tόpicos cruciais, enquanto as organizações comunitárias, mediante acordos claros sobre as áreas de atuação e o papel de cada um, enfrentavam outros problemas.
A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e a administração do Parque Ibirapuera deveriam estudar esses casos de parceria e fazer uma profunda reflexão sobre isso, se é que se preocupam realmente com o destino do maior e mais famoso parque de São Paulo.