Um passeio no parque ritmado pelos movimentos de obras sinfônicas? Eis aqui uma sugestão: duas obras de Mozart Camargo Guarnieri, compostas na época em que o Parque Ibirapuera foi criado.
A inauguração do Parque Ibirapuera ocorreu em 1954, ano do IV Centenário de São Paulo. Entre as iniciativas para se comemorar os quatrocentos anos da cidade, o Departamento Municipal de Cultura organizou um concurso de obras sinfônicas. Na ocasião, o compositor paulista Mozart Camargo Guarnieri, nascido na cidade de Tietê em 1907, criou e enviou a sua Sinfonia n.º 3. A obra foi a primeira colocada do concurso.
Na Sinfonia n.º 3, Camargo Guarnieri cruza elementos indígenas com a forma sinfônica clássica em três movimentos, que seguem o esquema tradicional da apresentação de um tema, desenvolvimento, variações e volta ao tema. Na sua busca por uma forma musical com características nacionais, o compositor recorre a uma melodia indígena, o teiru, já usada por Heitor Villa-Lobos quase vinte anos antes.
Nesse mesmo ano, a Orquestra Sinfônica de Louisville, Estados Unidos, encomenda uma obra ao compositor: nasce a Suíte IV Centenário, apresentada em São Paulo pela primeira vez em maio de 1955. Trata-se de uma peça sinfônica constituída por cinco partes: I.Introdução, II.Toada, III.Interlúdio, IV.Acalanto e V.Baião. Em cada uma delas, emergem os motivos musicais “brasileiros”, sem que a suíte seja, porém, uma simples reprodução de temas folclóricos. A Toada, por exemplo, se baseia na estrutura típica da toada paulista, enquanto o Interlúdio usa o ritmo da embolada brasileira e o Baião – é quase supérfluo dizer – remete à dança típica do nordeste brasileiro.
O mesmo uso de material inspirado em motivos melódicos e rítmicos nacionais reaparece numa obra de 1956, o vibrante Choro para piano e orquestra, como, de resto, em grande parte da vasta produção de Camargo Guarnieri.
Propomos, para um passeio com música no Parque Ibirapuera no tempo da sua criação, a Suíte IV Centenário e o Choro para piano e orquestra, que você pode ouvir aqui. A primeira peça, executada pela Louisville Orchestra, numa gravação de 1956, e a segunda, com a Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina e Caio Pagano ao piano. Boa caminhada!
Leia (e ouça) mais sobre Camargo Guarnieri aqui.
Nota: Inicialmente, tínhamos previsto a audição da Sinfonia n.º 3 de Camargo Guarnieri, vencedora do concurso comemorativo do IV Centenário, como descrito acima. Porém, repentinamente, a única versão disponível em YouTube se tornou indisponível. De qualquer forma, para quem se interessar e quiser procurá-la, trata-se da esplêndida versão da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo/Osesp, sob a regência de John Neschling. Assim que esta ou outra versão estiver disponível, será com prazer que publicaremos o texo a ela dedicado e o link para a escuta.