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Viver “perigosamente” no Parque Ibirapuera

por Lela Albuquerque

Em tempos frios, nada como a generosidade do sol aos domingos, né? Eu e Clarinha não perdemos tempo. Há muito que a gente queria ver o céu de pertinho; e aquele projetor do Planetário do Ibirapuera, apesar de não guardar a potência, definição e opções de um digital, tem seu charme e o tal fascínio das máquinas antigas que, embora de uma era de pouca tecnologia, não só fizeram história, como nos brindaram com o conhecimento possível de ser armazenado em suas engrenagens.

Clara tem 10 anos e gosta de astros e estrelas. Não chega a ser uma paixão, mas gosto de ver o jeito respeitoso com que ela aprecia o céu e a curiosidade que vem com uma ou outra pergunta tímida. Já que as minhas respostas também são tímidas, nada como aprender juntas… Enfim, lá fomos nós ao Ibira para a última sessão de domingo, a das 17 horas.

Lela Albuquerque e sua filha Clara na entrada do Planetário e o projetor do mesmo.

Lela Albuquerque e sua filha Clara na entrada do Planetário do Ibirapuera e, ao lado, o projetor do mesmo.

O fascínio foi diferente. Para mim, um gostinho de lembrança da infância, quando tudo era novidade e encantador; e, agora, acompanhando minha filha, vinha o prazer de saber exatamente o encanto que ela estava sentindo com a descoberta de que existem escorpiões, touros, centauros e outros seres encantados brilhando no céu.

A sessão é curtinha, nada cansativa, e assim que as luzes se acenderam ganhei o presente de ver outro tipo de brilho, um brilho bem forte e dessa vez só para mim, nos olhinhos da minha pequena. Sim! Vale a pena, sim!

Mas a vida é mesmo uma caixinha de surpresas, não é? E mal sabíamos que ainda havia muita alegria pela frente.

O Planetário do Ibirapuera durante uma projeção (foto: www santasmaes com br).

O Planetário do Ibirapuera durante uma projeção (foto: www santasmaes com br).

Ao cruzarmos o limite da porta do planetário e acessarmos a rampa da saída, percebemos que estava caindo uma chuvinha, nada forte, mas daquelas que nos força a procurar abrigo. E, com isso, vários jovens reunidos em pequenos grupos, estavam sentados ali e… comiam pizza!!!! Pizza mesmo, na embalagem tradicional, sabe? E o cheiro??? Nossa!!! Aquilo deu uma fome e não uma fome qualquer… Era fome de pizza! Claro! Estávamos hipnotizadas! Olhávamos e babávamos na pizza de todos! Era mussarela e calabresa! Meio a meio… Ai, meu Deus!

̶ Que é isso, filha? De onde surgiu tanta pizza???

Ela me respondeu com os olhinhos vidrados:

̶ Não sei, Grei… (nome pelo qual ela carinhosamente costuma me chamar… )

Aí ouvimos:

̶ Olha a pizza! Tá acabandoooo! Pizza é 20! Pizza é 20! Tá acabando!

Acho que, nesse momento, veio a dúvida a respeito do que era maior, se a vontade de comer aquela pizza ou o mico de andar segurando uma embalagem de pizza na garoa rumo ao carro. A dúvida durou apenas um olhar e três segundos no máximo. Dois minutinhos depois, estávamos indo para o carro… Eu, Clara e a pizza. E íamos “passeando no bosque”, felizes por termos nos permitido satisfazer nosso desejo e contentes com nossa aquisição, sem esperar mais nenhum episódio incomum, quando…

Estávamos em uma parte do caminho onde a alameda em que andávamos cruzava outra e, até aí, novidade nenhuma. Porém existia também ali uma edificação (o Pavilhão das Culturas Brasileiras), que nos impedia de ter uma visão ampla de quem cruzava conosco. Mas nossa audição era boa o suficiente para ouvirmos um burburinho alto e frenético, do tipo que é causado por várias pessoas, e barulho de passos apressados… bem apressados, na verdade… barulho de gente correndo… ai, meu Deus, o que era aquilo agora?

De fato, quase instantaneamente, um pequeno grupo passou correndo apressado, com todos os integrantes falando alto, gesticulando, cruzando o nosso caminho:

̶ Vem, vem, vem, Fulano, aqui ó…. bem aqui!! É prá cá, é prá cá, vem, vem, vem…

Confesso que olhei “prá lá” e não vi nada… só a cerca à margem do lago. E eu podia jurar que não havia mais nada ali. Atrás deles, mais dois ou três perdidos e, em seguida… Deus do Céu!!! O que era aquilo?? Uma multidão! Correndo e falando, e gritando, e gesticulando, sem nem sequer notar a nossa presença desesperada, tentando desviar de todo aquele mundo de gente que apareceu do nada… A Clara, segurando a barra do meu vestido pra não se perder; eu, segurando a pizza pra ela não voar; e nós duas dando girinho ao redor de nós mesmas, tentando cruzar aquele mar de gente que não parava de aparecer, correndo, gritando, rindo e gesticulando…

Eu também já estava gritando:

̶ Filha! Filha! Gruda aí (no meu vestido)… Que é isso, filha?! Que mundo de gente é esse?!

Ela também gritou:

̶ Oi?

̶ Que que é isso, filha?!

̶̶ É Pokémon, Grei… É Pokémon!!!

̶ AAaahhhhh! Cê tá brincando??? Será??? – ainda gritando…

̶ É Grei! É Pokémon!

Kakakakakakakakakakakakakakkakakakakakakak! Meu! Fala sério! Eu já ria tanto daquela situação inusitada que agora nem girar mais no meio do povo eu conseguia…. Parei lá no meio daquele povo enlouquecido mesmo e até me curvei de tanto rir…. As duas, né? Rindo e deixando o povo passar por nós atrás de algum bichinho virtual fujão…. Ai, ai… Era pai com filha adolescente, grupinho de amigos de todas as idades, todos com celular na mão, falando, chamando, gritando e correndo cegamente… E nós lá… rindo desesperadamente, com a pizza na mão.

Enfim, depois daqueles instantes de loucura compartilhada, nos refizemos e seguimos nosso caminho; e, apenas alguns passos depois, a garoa resolveu se intensificar…

Parque do Ibirapuera sob a chuva. Foto: Sérgio Valle Duarte.

Parque Ibirapuera sob a chuva. Foto: Sérgio Valle Duarte.

̶ Aperta o passo, aí, Chu (o jeito de eu chamar minha filha). Ai, caramba, vai molhar nossa pizza… Mó cheirão bom, não dá pra perder.

E foi só apressar um tiquinho o passo para sermos surpreendidas por uma rajada de vento daquelas que aparecem fortes, do nada, e vruuuummmmmm… fez voar meu vestido. Nem pensei: instanteaneamente, levei uma das mãos à saia pra não ficar pagando calcinha. Mas aí, quem resolveu voar foi a tampa da pizza e, por pouco, não levou a pizza toda pra fazer companhia naquele acrobático rolê aéreo… Gritei:

̶ A pizza, Chu!!!

Nosssaaaaa, a tampa não parava de voar e a Clara não parava de dar gritinho e correr atrás da tampa. Eu lá, dobrada de tanto rir, com uma mão na saia e uma pizza descoberta na outra… Jesus!!! Que que era aquilo??? Não era só um planetário??? Kkkkkkkkkk Finalmente, a Clá conseguiu pegar a tampa e a gente pôde voltar pro nosso caminho… andando rápido, né? Claro! Afinal, a gente ainda não havia desistido da pizza e ela ainda estava em ótimo estado, apesar de ter sofrido tantos possíveis atentados.

Ufaaa!!! Chegamos no carro. Rindo ainda. E permanecemos rindo durante um bom tempo no trajeto para casa – claro que, dessa vez, comendo a tal pizza que estava realmente deliciosa.

̶ Caramba, Chu. Era só um planetário, hein? E acabou virando uma corrida de obstáculos…

̶ Amei nossa tarde, Grei.

̶ Eu também, Chu. Eu também!

E falei isso com o coração transbordando de orgulho e gratidão, consciente de que foi o tipo de tarde que ganhamos de “brinde”, sem custo, sem programação, muito menos premeditação, que não há nem como recomendar a um amigo, e que pode ser que nunca sejamos premiadas com outra igual. Mas, certamente, ficou a receita: tenha um sonho simples, aproveite o sol, siga seu coração e se jogue no vento.

Lela Albuquerque (e Clara, né? rssss … sem ela a história não seria escrita…)

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