Parques, jardins são lugares de encanto, de surpresa, de maravilha. Qualquer que seja a sua origem – os jardins medicinais medievais, os jardins botânicos renascentistas, os parques principescos com os seus caprichos e “stravaganze”, os jardins Zen ou, ainda, uma mistura de tudo isso –, eles são sempre lugares de encantamento, bem-estar, encontro com o mundo natural e contemplação.
É primavera no Hemisfério Norte. Nas regiões mais frias e nevosas, a população invade os parques urbanos, suburbanos e campestres, para, enfim, desfrutar do ar-livre sonhado durante os longos meses de inverno rígido. Parques e jardins pululam de flores. É o momento de visitá-los para deliciar os olhos também. Eu não fujo à regra.
No fim de semana passado, foi a vez do Hollister House Garden (jardim da casa Hollister). Situado nas colinas do noroeste do estado de Connecticut (EUA), no pequeno município de Washington, o jardim se desenvolve ao redor de uma casa do século XVIII. Apesar de não ser antigo como a casa e tão menos uma recriação de um jardim da época, foi imaginado para complementar a antiga moradia colonial. Começado pelo seu proprietário em 1979, ele tem uma estrutura formal – uma divisão geométrica em pequenos jardins retangulares separados, mas integrados entre si –, à qual a vegetação se sobrepõe preferencialmente de forma espontânea. O jardim funde a formalidade do traçado com a informalidade natural.
Trata-se de um jardim privado, aberto ao público nas sextas-feiras e nos sábados e destinado a se perpetuar no tempo através de uma organização sem fim de lucro. De fato, o seu idealizador e proprietário, George Schoellkopf, criou uma organização non-profit dedicada à preservação do jardim e dos edifícios antigos presentes na mesma propriedade, dos quais a Hollister House faz parte, para o prazer e a educação à jardinagem das gerações presentes e futuras.
Ainda que destinado a ser administrado por uma fundação privada de interesse público, que mantém a propriedade do complexo, pode-se dizer que é um caso de jardim privado que se torna público, processo que deu origem a muitos dos jardins públicos urbanos ou não ao redor do mundo. Parques e jardins públicos para o bem estar da população não existem desde sempre. Historicamente, são o resultado de um processo de democratização do espaço nas cidades. O caso do grande Jardin des Tuileries de Paris é exemplar: criado em 1564 por Caterina dei Medici como jardim de lazer do Palácio das Tuileries, a residência real, torna-se um parque público somente depois da Revolução Francesa.
No Brasil, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi criado por Dom João VI, logo após a chegada da coroa portuguesa ao Brasil, em 1808, e só foi aberto à visitação pública depois da proclamação da Independência, em 1822. Hoje, continua sendo um jardim botânico e tendo finalidade de pesquisa, mas a essas funções somaram-se a do devaneio e de lugar de refúgio e contato com a natureza na metrópole carioca.
Parques e jardins nascidos públicos, como o Parque Ibirapuera, aberto ao público em 1954, são relativamente recentes. Os primeiros, no Brasil, remontam ao Passeio Público do Rio de Janeiro e ao Parque Jardim da Luz de São Paulo, entre outros. Como quer que seja, eles sempre misturam várias dimensões do encontro com a natureza: o devaneio, a preservação e divulgação de espécies botânicas, lugar de encontros culturais e, mais recentemente, nas grandes cidades, refúgio contra o estresse da correria cotidiana, ilhas verdes que contribuem com a melhor qualidade do ar e refúgio para a fauna urbana – cada vez mais cerceada pela cimentificação.
Mas, voltando ao Hollister House Garden, que oferece surpresas e deleite em todas as suas partes, um detalhe chamou especialmente a minha atenção: uma macieira centenária em flor. Há muitas árvores centenárias em Connecticut, de grande ou pequeno porte – entre elas, bordos e carvalhos de grande beleza. Por que deveria ficar impressionado com uma macieira, que não é uma espécie rara por aqui?
Primeiro, pela sua idade e galhos longos e contorcidos, ela me lembrou a famosa macieira de Isaac Newton, de onde, segundo o próprio relato do cientista britânico, a caída de uma maçã fez com que ele se perguntasse por que as maçãs sempre caem no chão em linha reta. Meditando sobre isso, chegou à conclusão de que havia um poder de atração das coisas para o solo. Nascia, assim, a teoria da gravidade. A macieira de Newton ainda existe, tem cerca de quatrocentos anos e pode ser vista em Woolsthorpe Manor, em Grantham, Lincolnshire, Inglaterra.
Mas, além da lembrança histórica, a segunda coisa que me impressionou foi ver que dois dos seus venerandos galhos tinham sido amparados por “muletas”, por seram longos, grossos e pesados demais para se sustentarem sozinhos. Num jardim onde há amor pelas árvores, plantas, flores e pela botânica em geral, dir-se-ia uma solução óbvia. Ao vê-los assim, o meu pensamento viajou para o Parque Ibirapuera e para a monumental e escultórica ficus elastica suprimida apressadamente no ano passado. Um dos encantos do parque se foi… Felizmente, em outros lugares – e, espero, no futuro do próprio Parque Ibirapuera –, há quem trabalhe para preservar o encanto dos parques. O Hollister House Park é um deles.
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