Um parque não são somente árvores, edifícios, alamedas e serviços. É muito mais do que isso. É uma ideia: uma ideia de preservação do meio-ambiente, um lugar de encontro com a natureza e de socialização. Ele tem um desígnio – e um desenho que contribui para que o desígnio se torne realidade. Ele também é um lugar de história e histórias. Revelar esse desenho e contar essas histórias é uma maneira de entrar na sua intimidade, aprender a conhecer a sua personalidade e, sem dúvida, de apreciá-lo pela sua generosidade – e, quem sabe, suscitar a generosidade dos seus usuários para que ele continue cumprindo cada vez melhor o seu papel ambiental e social.
Gostaria de começar esta minha colaboração com o Parque Ibirapuera Conservação revelando um detalhe que passa despercebido a muitos – quase um segredo. Trata-se do diálogo entre a arquitetura construída e o planejamento do verde. A sistematicidade com que Oscar Niemeyer – autor do grande projeto do Parque Ibirapuera, inaugurado em 1954, ano do Quarto Centenário da cidade de São Paulo – desenvolveu o conceito de “coluna”, dando-lhe, a cada projeto arquitetônico, uma nova forma, é bem conhecida. As colunas do Palácio da Alvorada ou do Palácio do Planalto, em Brasília, que lembram as velas das jangadas nordestinas, são somente dois exemplos famosos de uma pesquisa muito mais ampla e que tem início bem antes na carreira do arquiteto brasileiro.
As colunas revolucionárias do Ibirapuera
O Palácio das Nações do Parque Ibirapuera, como foi chamado originalmente o prédio que hoje abriga o Museu Afro-Brasil, é uma das etapas do processo de inovação do desenho de coluna arquitetônica que antecede os famosos pilares de Brasília. Mas há algo mais do que isso. Ao fazer com que o andar térreo do edifício fosse mais estreito do que os andares superiores, Niemeyer criou dois pórticos imensos em ambos os lados mais longos do prédio. Com uma novidade: as colunas que sustentam os tetos/edifício não se encontram ao longo da margem externa dos pórticos, mas ao longo da margem interna – ou seja, da longa vidraça que estabelece a fronteira entre o interior e o exterior do prédio. São colunas robustas, que se ambrem em forma de um “v” assimétrico, cujo braço mais curto é vertical e o mais longo se estende diagonalmente para ir sustentar as bordas da parte elevada do edifício.
Uma nova ideia de pórtico, que une arquitetura e árvores
Dessa forma, o prédio oferece uma área coberta em torno a si, que redefine a ideia comum de pórtico e da sucessão tradicional de colunas e arcos ao longo da margem externa. Mas não é só isso. Otávio Augusto Teixeira Mendes, o engenheiro agrônomo e arquiteto paisagista que projetou o paisagismo do Parque Ibirapuera, o fez no diálogo com Oscar Niemeyer. Não é raro, no seu projeto, as árvores dialogarem com a arquitetura. Neste caso, a poucos passos para fora da galeria coberta do lado oposto ao da Marquise, foi plantada uma fila de árvores aproximadamente em linha com as colunas e com a mesma cadência. Com os seus troncos, elas substituem as colunas das arcadas tradicionais, completando o pórtico e estendendo-o para o domínio natural. Assim, a arquitetura incorpora a natureza, que se torna parte intrínseca do projeto.
Aquelas árvores não estão ali por acaso. De certa forma, as suas copas continuam o teto do pórtico. Elas são a transição do mundo rigoroso do desenho arquitetônico para o mundo das formas orgânicas da natureza. Fazem parte seja do jardim, seja da arquitetura.
Essa combinação, assim como tantas outras no Parque Ibirapuera, torna essa área muito especial e é um dos motivos pelos quais as ações de conservação entendida como preservação da “personalidade” do parque são fundamentais.
Num parque urbano, ao contrário do que acontece na mata, nada é casual – ou, digamos assim, muito pouco não foi sujeito ao desígnio humano. O parque é como um livro que nasce do encontro entre o homem e a natureza. Um livro repleto de surpresas, que merece ser preservado com carinho.