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Um dia de chuva na High Line, New York

por Roberto Carvalho de Magalhães

É domingo. Chove. O dia normalmente reservado para uma caminhada ou um piquenique em um parque está encoberto com nuvens pretíssimas, sem previsão de melhora. Mas para que servem os guarda-chuvas mesmo? A chuva não desencoraja os novaiorquinos e os turistas a percorrerem os quase dois quilômetros e meio da High Line – o parque linear elevado, que salvou da demolição uma velha linha de trem desativada, se insinua entre prédios antigos e novos e passa por cima de inúmeras ruas, da 14th Street aproximadamente até a Trigésima Quarta. Cerca de vinte quarteirões.

High Line, Nova York, em um dia de chuva. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (9/9/2018).

High Line, Nova York, em um dia de chuva. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (9/9/2018).

No momento da abertura da sua primeira parte, em 2009, a vegetação ainda era baixa e incipiente. Hoje, a vegetação muito mais densa nos permite falar de um verdadeiro parque, que atrai não só visitantes humanos, mas também uma infinidade de abelhas e pássaros. Das abelhas, ouve-se claramente o zumbir entre as flores, enquanto os robins – primos norteamericanos do sabiá-laranjeira – se alimentam das frutinhas de várias espécies de arbustos.

Um mural recente do artista brasileiro Kobra visto da Hgh Line, na esquina da 18th Street com a 10th Avenue, em Chelsea. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (9 de setembro de 2018).

Sim, os edifícios continuam presentes e há muitos novos, recentíssimos, atraídos por essa serpente verde que recuperou e redefiniu essa parte bastante esquecida e degradada da cidade há somente duas décadas. Com espanto e encanto veem-se projetos de Frank Ghery, Jean Nouvel e Zaha Hadid e outros prédios que sobem a uma velocidade surpreendente e, pouco a pouco, vão tirando a vista do Rio Hudson… Mas a vegetação já muito espessa nos “protege”, de alguma forma, da frenesia da cidade.

The IAC Building (2007), do arquiteto Frank Ghery. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (9/9/2018).

O Empire State Building visto da High Line. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (9/9/2018).

Edifício projetado por Zaha Hadid, ainda em fase de acabamento. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (9/9/2018).

É preciso não esquecer que a High Line se tornou possível somente graças a uma organização não governamental sem fim de lucro, a Friends of the High Line, constituída em 1999, para salvar da demolição um pedaço da história da cidade: uma linha de trem elevada, que permitia aos trens de frete chegarem diretamente das fazendas aos frigoríficos e fábricas de laticínios da cidade, concentrados nesse bairro, e serem carregados e descarregados sem interferência do tráfego humano e de veículos das ruas.

A partir dos anos de 1950, o transporte por caminhão em todo o país suplantou o ferroviário e determinou o abandono da linha. Uma parte do elevado chegou até mesmo a ser demolida nos anos de 1960. Os Amigos da High Line, criados por residentes do bairro, lançam então a ideia de se criar um caminho verde, tendo como exemplo o que já tinha sido criado em Paris em situação similar, hoje conhecido como Promenade Plantée. Esse grupo de amigos da High Line, inicialmente pequeno, cresceu, envolvendo empresários, doadores, voluntários e a própria prefeitura de Nova Iorque, até que algo que se acreditava impossível no final do milênio tornou-se realidade em 2006, quando o prefeito Michael Bloomberg presidiu a cerimônia oficial do começo da sua realização.

Forgiving Change (Perdoando a mudança), 2018, do artista Timur Si-Qin. Foto: Roberto Carvalho de Magalhães (9/9/2018).

Essa breve história da High Line leva o meu pensamento ao Parque Ibirapuera, pois é outro grande exemplo do que pode nascer da iniciativa de uma organização da sociedade civil sem fim de lucro – que pode envolver todos os setores da sociedade, do cidadão comum às empresas – em parceria com a prefeitura. Esse é o caminho para a preservação e uma gestão de sucesso de um grande parque público como o Ibirapuera.

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